terça-feira, 22 de abril de 2008

NEY MATOGROSSO

 
Símbolo da liberdade, Ney foi o rosto, o corpo e a voz de uma das mais importantes e peculiares bandas do rock brasileiro: Secos & Molhados. A cada audição, me surpreendo com algum aspecto da banda. As guitarras, flautas, violões, teclados, todos os instrumentos, contrastantes, harmoniosos, doces, violentos, a melodia simples e marcante, a voz misteriosa e as letras de uma poesia etérea. Secos & Molhados surgiu como um raio, e tal qual se foi. Um ou dois anos de existência comercial, acabaram na semana de lançamento do segundo disco. Conflitos internos, vários trovões apertados num mesmo palco.

 
Ney é único dentro da música popular brasileira. Nenhum outro artista, com seu prestígio e alcance popular, causou tamanho impacto visual, comportamental e sonoro. Quando digo sonoro, falo da voz. Ney mostrou a androginia ao povo. E seu estilo tanto incomodava quanto fascinava o público em geral. Sempre com roupas exuberantes e provocativas, muitas vezes seminu, e sempre com gestuais a afrontar os limites da masculinidade.

Principalmente dentro de um grupo com a qualidade dos Secos & Molhados, Ney Matogrosso foi uma bomba e não passou despercebido por qualquer lugar que o recebesse ou tivesse acesso a sua arte. Sua carreira solo seguiu por muitos anos a mesma proposta visual, depois se “acalmou” e destacou o intérprete ao “performer”.

Agora ele volta a explorar a exuberância e a teatralidade, presenteando-nos de novo com aquele Ney que nunca esquecemos. Seu último disco é de 2008, Os Inclassificáveis, com versões de compositores clássicos e outras de novatos e contemporâneos, continuando sua busca pelo novo, marca dos últimos trabalhos.

O Secos & Molhados, com Ney, lançou dois discos homônimos, um em 73 e outro em 74. Por alguma razão inconsciente, adotei quase como um alter-ego Flores Astrais e o seu verme a passear pela lua cheia. Mas essa é apenas uma canção, uma arte. Há outras tantas capazes de nos despertar os mais variados sentimentos. 

Estou para encontrar canções tão delicadas como as da banda, com letras tão eloqüentes. “Amor”, “Primavera”, “Angústia”, “Mulher Barriguda”, “Preto Velho”, “Assim assado”, “O Doce e o Amargo”, “Sangue Latino”, a libertina “O Vira”, “Fala”, “O Hierofante”, são tantas que não consigo me decidir por um exemplo de poesia que traduza a explosão de cores que essa banda me causa. É uma viagem quase alucinógena escutar o seu som e se impregnar de suas palavras. 

E reforço o poder de sua poesia escrita como recado aos radicais que dizem que Ney era tudo no S&M. Não, não era. Os compositores João Ricardo e Gerson Conrad são grandes responsáveis também por tudo que a banda foi. João Ricardo principalmente, um dos meus poetas prediletos. Sem a voz e a imagem de Ney, talvez suas letras não causassem tanto impacto. Aliás, não causam, tanto que a carreira que a banda tentou seguir sem Ney foi um desastre. Do mesmo modo, afirmo que a banda foi o que de melhor Ney fez em sua vida artística. Seu trabalho solo é repleto de altos e baixos e algumas de suas canções pós S&M tendem ao brega.

O mais justo não seria, portanto, dizer que algum dos integrantes não tem valor ou tem menor importância, mas reconhecer que a união daqueles artistas é que fez dos Secos & Molhados a banda certa, na hora certa, e um dos melhores acontecimentos de nossa música.

Apesar de seguir a cartilha omissa da MPB e nunca ter levantado bandeiras sexuais, a própria imagem de Ney era revolucionária e sacudia os nervos machistas. Só um estúpido não entenderia a sua obra. Bastava entrar no palco para que aplausos à liberdade surgissem extasiados. Quando então unia a sua performance a músicas atrevidas como “Homem com H” (do consagrado álbum homônimo, de 81), o barulho estava feito, ninguém mais era o mesmo.

Surpreendente é que ainda hoje exista quem se incomode quando Ney leva a ousadia também para a palavra, além da atitude, e mantém pronomes masculinos das letras originais, ao invés de adaptá-los, como ocorreu no show do disco “Ney Matogrosso interpreta Cartola”, de 2002. Contradições de uma gente que parece ainda ter muito para aprender.

Hoje, no entanto, com a carreira consolidada, Ney fala mais à vontade sobre sua homossexualidade e até conta casos e causos que viveu. Mas nem precisava – embora eu mesmo ache necessária a verbalização de certos assuntos como forma de quebrar de vez com certos tabus –, sua transgressão já foi feita há muito tempo.

domingo, 13 de abril de 2008

JARED LETO

No clipe de From Yesterday, um pequeno Buda ou seja-lá-o-que-for é indagado sobre o que quer de aniversário. A criancinha responde algo como “o som de amanhã” e então surge entre vários soldados 30 Seconds To Mars, a banda do ator americano Jared Leto. É claro que essa banda não representa nada, muito menos “o som do amanhã”, visto que de novo só tem a adesão ao modismo emo, que em si só nada significa. São letras românticas, dessas já cantadas pelas cantorazinhas loiras e meigas, com uma guitarra qualquer de fundo. O visual traz uma franjinha constrangedora, um lápis nos olhos, umas pulseiras e colares de bolinhas, uma mistura de clubber, gótico e patricinha. É um som e uma tribo de agora, sem dúvida, principalmente dessa maneira que se apresenta, mas não há qualquer revolução musical que a torne “do amanhã”. É pop, desse do elevador, da novela, esse que a gente logo esquece.

Uma coisa que pega é que os emos são meio ambíguos sexualmente. Essa sensibilidade toda e o visual elaborado, e delicado, demais nos remete sempre a uma feminilidade ou a uma androginia. Mas algo ainda pobre, bobinho demais. Não chega perto da androginia de grandes ídolos como David Bowie ou mesmo do audacioso Marilyn Manson. É algo assim: um mocinho de preto com um ursinho de pelúcia, chorando ao som da Hilary Duff. Talvez por isso não sejam exatamente respeitados por todos de fora do meio e sejam execrados sem piedade pelas mais diversas tribos.

Uma coisa talvez seja positiva. Muitos emos não assumem uma bissexualidade, mas admitem que beijam pessoas do mesmo sexo, por razões que nem tento saber. Esse desprendimento todo é um sinal quase pós-moderno, não fosse também batido. Mas visto que sofremos uma certa revalorização do conservadorismo, com héteros querendo dia nacional do orgulho e novos papas botando pra fudê em quem não segue valores antigos, é louvável que surja uma turminha de adolescentes não se importando com rótulos sexuais e até rompendo com preconceitos. Aliás, beijar pessoas de todo sexo sem se rotular é um grande passo, mais uma chacoalhada na tão complexa sexualidade humana. Papas e simpatizantes não entendem isso.

Outro ponto positivo é um certo pacifismo. Porque paz é bom, né, não? E o amor também. Amemo-nos todos. Ruim é que esse amor não venha acompanhado de uma música boa, mas este é o meu ponto de vista. Eu já tenho mais de vinte, não apito mais nada entre essa turminha que vai fazer o futuro. Talvez eu e muita gente estejamos obsoletos. Vai saber.

Eu não sei muito sobre o Jared e sua banda. Sei que ele é um ator secundário, talvez o maior papel tenha sido como o par de coxas que era tudo que vencia Alexandre, O Grande, interpretado por Colin Farrell, em 2004. Não sei sobre sua vida pessoal, noto que ele é meio bichinha, mas bonito. E o 30 Seconds To Mars surgiu em 98 e tem dois cds: um homônimo de 2002 e A Beautifil Lie, de 2005. Recentemente tenho ouvido uma música deles com a nossa Pitty. A música é The Kill, ou melhor, uma versão acústica desta. É claro que os dois nem se encontraram pra gravar, tudo foi feito na mais asséptica distância, como costuma acontecer entre artistas de mundos tão diferentes.

A razão maior de eu ter escolhido o Jared como o caralho da vez é uma notícia recente de que emos estão sendo atacados no México. Um bando de escrotos autodenominados punks, metaleiros e outras bizarrices tem saído por aí para espancar os mocinhos de franja. Como não poderia deixar de ser, os ataques têm um teor homofóbico evidente. Por isso fica aqui a minha torta homenagem aos emos, gente que tem o direito de se expressar e viver como bem entende, desde que na sua, sem baixar ao nível de ninguém. E há muito tempo repudio esses caras de merda que só sabem sair por aí xingando e batendo. É incrível como eles não são mais nada além disso. São intelectualmente descartáveis, são sexualmente descartáveis. Se tiverem uma boa pica, duvido que sejam mais do que isso. Tanto que acho um absurdo que as mulheres sejam tão submissas às opiniões dessa gente. A independência feminina só vai acontecer quando elas souberem dar o devido valor a esse tipo de homem. Vamos, meninas, chupem esses caras e caiam fora. Eles são como vibradores falantes. Usem e esqueçam eles na gaveta. O que eles falam ou pensam não tem a menor importância.

Nem todo punk ou metaleiro é escroto dessa maneira, e nem todo escroto é punk ou metaleiro, mas quando se consegue separar o joio do trigo, há de se dar o devido valor. Assim como pode existir muito emo preconceituoso em algum sentido. Acontece que quando se parte para a agressão, motivada pela intolerância, a razão e o direito ao respeito acabam. Portanto, bonitinhos, façamos como os emos e vivamos com muito amor no coração.

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