sábado, 16 de julho de 2011

JAYNE COUNTY

Numa noite de sua vida, Wayne Rogers se viu correndo de uns homens que saltaram de um caminhão, armados. Atiravam nele e em seus amigos, todos travestidos. Estavam no “máximo da produção”, botas de salto alto, calças boca de sino... O tempo todo os homens que atiravam gritavam coisas como “Você é bicha? Você é um homem? Você é um garoto ou uma garota?”

O mesmo Wayne Rogers, que se apresentava como drag queen em casas como a antológica Stonewall In — aquela mesma que foi cenário do conflito que deu origem às manifestações pelo Orgulho Gay —, outro dia se cansou da mesmice e do estereótipo das amigas drags, que insistiam em cantar ou dublar músicas de divas, como as Supremes, e resolveu cantar Janis Joplin.

Esses dois episódios estão no livro “Mate-me por favor – Uma história sem censura do punk”, de Legs Mcneil e Gillian McCain. Referem-se à vida daquele que nos anos setenta se tornou o primeiro transexual do rock. Um americano, nascido em Geórgia, ator da companhia de Andy Warhol, onde atuou ao lado de Patti Smith, e grande inspiração do hoje cult “Hedwig, Rock, Amor e Traição”, de John Cameron Mitchell.

Sua primeira banda, Queen Elizabeth, formou-se em 1972. Logo surgiu a segunda banda, em 1974, Wayne County and The Backstreet Boys, que gravou três músicas na coletânea “Max’s Kansas City: New York New Wave”. A banda costumava se apresentar no templo do underground CBGB, onde Wayne também discotecava. Dois anos depois, ele surgiu no filme “The Blank Generation”, de Amos Poe e Ivan Kral — guitarrista de Iggy Pop, Blondie e Patti Smith. O filme documentava os bastidores dos shows de diversas bandas da época, como a de Wayne, e ajudou a definir o punk.

Em 1977, já em Londres, Wayne formou a Wayne County and The Eletric Chairs, mas só em 1979 que assumiu o nome feminino Jayne County, e firmou o mito que é até hoje. Na década de 1990, todas as gravações antigas foram reunidas no cd Rock & Roll Cleopatra, e sua biografia também foi lançada: Men Enough To Be A Woman.

Jayne sempre pertenceu ao submundo. Ela é até hoje forte demais para a América, e para o próprio rock. E pensar que até hoje o rock se vangloria de ser símbolo da rebeldia, da transgressão, de talvez ser o máximo da música e da cultura a representar sempre o novo, a quebra de tabus, a liberdade sexual. O que se vê na prática é que o rock segue muitas vezes valores tradicionais, não ficando distante dos caipiras que atiravam em Jayne numa noite de sua juventude. Ironicamente, aliás, há muito tempo que caipiras também formam bandas de rock. E Jayne é demais, sempre foi demais para qualquer coisa de que quisesse fazer parte. Uma transexual punk foi demais para a comunidade gay, para a América, e para o rock. Ainda é demais. Hoje não surgem iniciativas como a dela, consideradas chocantes. É muito “novo” o que ela representa. Engraçado que hoje ela é uma senhora de 64 anos, e o que ela representa, para ela, já é passado. E nós, ainda aqui, nos chocando, e nos achando rebeldes. No mês do rock, coisas para se pensar.

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