quinta-feira, 1 de novembro de 2012

KELE OKEREKE

Este blog tem um gravíssimo defeito, ou talvez seja o rock que tenha. Em anos de existência, nunca houve um músico negro aqui. Verdade que oriental também não houve, e os pardos brasileiros são brancos, quase sempre assim é que se manifestam. E mesmo que para certas partes do mundo tenha havido muito aqui daquela tal etnia “latina”, fato é que, em geral, este blog tem um gravíssimo defeito. Ou talvez seja o rock que tenha.

Antes de Elvis, o rock era negro. Depois, nunca mais foi. Na terra onde nasceu, é fácil ouvir opiniões de que o rock é música de branco, apesar de Chuck Berry, Jimi Hendrix, e que a música negra (ou de negros) seja outra. Existe só um pouco de verdade nesse separatismo. Tanto é que os nomes que surgem aqui, pelos calores dos momentos, nunca são exatamente grandes representantes desse povo que criou quase todo tipo de música. E quebrei a cabeça para encontrar um nome.

Eu conseguiria citar de memória uns cinco caras: Lenny Kravitz, Marcelo Falcão, Derrick Green... Bem, são três. Mas ainda tem aquele fator caralhístico, sabe como é. Um dos homens negros mais bonitos da música, pra mim, é Yotuel Romero, dos Orishas, mas passa um pouco longe do rock. Derrick e Falcão não tem lá muitas fotos e Lenny, bem, não conheço ninguém que goste de rock que também goste de Lenny. Eu estava num dilema.

Kele Okereke surgiu como a melhor opção. Apesar dos pesares que explico adiante, é um grande símbolo negro do rock, ainda mais para O Caralho. Além de moderno, atual, de certa forma consciente de seu papel como músico em contraponto ao universo das celebridades, ele não é feio e é gay. E teve a façanha de ser eleito o cara mais sexy do indie rock. Sim, é decidido: Kele é nossa salvação.

Vocalista e também guitarrista, Kele é nascido em Liverpool (mais um ponto!) e está à frente da Bloc Party, banda que lançou seu primeiro álbum em 2005, Silent Alarm. A Bloc Party faz parte daquele gênero indefinível, o indie, depois que esse termo deixou de ser apenas uma abreviatura de “independente”. Indie, nos anos 2000, são as bandas de som alternativo, no sentido pop da palavra. Aquilo que não é coisa nenhuma, uma mistura, mas tenta se distanciar do besteirol pop mainstream. A Bloc Party anuncia alguma influência inclusive do pós-punk de bandas como Joy Division, embora se aproxime mais do dance do New Order. É isso: a banda de Kele é aquele “glamorous indie rock and roll” de bandas como The Killers. O rock de balada, da pista que agrega as pessoas alternativas com aquelas que pensam que são alternativas.

Kele está nessa pista. Faz um trabalho muito interessante com sua banda, embora seu rock não tenha tanto culhão. Nesse sentido só faz piorar na sua carreira solo, ao lançar o álbum The Boxer, em 2010, e depois o EP The Hunter, em 2011. Aí ele admite: sua vontade é ser uma diva pop.

Porém assumiu sua homossexualidade de forma bastante lúcida. Deu declarações divagando sobre a importância de haver um cara assumido dentro da cena, de como isso poderia ajudar adolescentes etc. É louvável, sempre será. Ele também constrói uma fama de ser difícil de ser entrevistado, por não querer ser posto na estante das celebridades superficiais que só falam sobre rixas com outros artistas e dicas sobre alimentação e cosméticos.

Kele é bom letrista também, e produziu canções interessantes que admitiu tratar de temas gays. I Still Remember, do segundo álbum A Weekend in The City, é um exemplo. Kele evita chamá-la de canção de amor, mas registra que se trata de um conflito, uma atração não consumada entre dois garotos heterossexuais, o que pra Kele é uma situação muito comum.

Uma lembrança que tenho de Kele é de sua apresentação numa festa de nossa MTV, anos atrás. A Bloc Party usou playback e o público descobriu. A banda foi vaiada, e Kele pareceu rir da situação, e do público. Jornalistas que se acham alternativos despejaram seu complexo de inferioridade em defesa de Kele, mas a verdade é que ele não teve um comportamento muito exemplar, e pareceu justamente com a pessoa superficial e descartável que ele diz que não é. Depois tentaram se justificar, mas... Foi pouco rock, e muito pop.

Fiquemos entretanto com a impressão de que o acontecido foi um mal-entendido, e Kele, ainda que não seja um grande roqueiro, é um grande artista. E merece abrir neste espaço as portas que já deveriam estar abertas.

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