terça-feira, 15 de janeiro de 2013

DAVID BOWIE

Não há artista queer que não tenha sido influenciado por Bowie. Não há nem mesmo artista que se defina como alternativo (com algum prestígio) que não tenha Bowie como referência.

Quando um músico fala de suas influências, diz muito sobre sua personalidade artística e sobre os valores culturais em que acredita. Além, claro, dos chavões. Citar Beatles, por exemplo, quase sempre indica apelar pro “sorvete de creme”, de que todo mundo gosta ou tolera. Uma unanimidade pouco ousada. Citar clássicos setentistas do rock, como Doors, Led, Sabbath, indica alguma vontade de rebeldia somada a alguma consistência artística, porém “conservadora”. Ainda que essas bandas sejam transgressoras, o público que atingem nem sempre também é na mesma intensidade. Citar Bowie muda tudo.

Quem diz que se influencia por David Bowie deixa claro que admira a esquisitice em toda a sua abrangência e quer confrontar até mesmo os que se acham mais modernos. Os inspirados por Bowie, os que se prezam, são aqueles que enfrentam a sociedade estética, sonora e sexualmente. Têm um olhar oriundo dos cantos mais escuros, dos ângulos mais inusitados. Porque Bowie, de lábios e cabelos pintados, vestido e salto, uma guitarra e um microfone, afrontou todos os despreparados para a verdadeira modernidade. A mocinha de meia arrastão, o fortão de calça rasgada, e o tatuado com um crucifixo de ponta-cabeça não raro achavam Bowie inaceitável. A rebeldia se deparava com os seus limites.

Porque Bowie era “efeminado”. Isto incomoda mais que uma pichação na rua. David flertava com garotos e garotas numa tentativa constante de transgredir-se. Confundia os mais comuns porque era o bicha que vira e mexe se envolvia com mulheres lindas e vive com uma há 20 anos. Era o bissexual fajuto a assumir que a declaração pública de sua bissexualidade tinha sido o maior erro da sua vida. O hétero que confessava que o sexo tinha se tornado relevante para ele aos 14 anos, época em que “não importava realmente com quem ou como era, contanto que fosse uma experiência sexual”.

Queer. Há um tempo essa palavra carrega significados variados. O mais difícil de compreender deles talvez seja o de que uma pessoa não precisa se prender a rótulos sexuais e pode vir a ter quaisquer experiências, na mais variada frequencia, sem que isso afete a sua identidade. Muito difícil de entender, porque os preconceitos passam a julgar e duvidar que uma pessoa que verdadeiramente seja hétero queira se sujeitar a tal indefinição e admitir tais possibilidades. Difícil, raro. Ainda mais um homem.

Mas Bowie demonstra, nos seus 66 anos de idade recém-completados, quase 50 de carreira, cujo um hiato de 10 anos acaba de ser interrompido com o single Where Are We Now? e um álbum anunciado para março, que um homem hétero pode sim ser queer e contribuir para a ascensão gay.

Seja por uma obra impecável, desde os primeiros acordes do seu primeiro sucesso, Space Oddity, que nos alertava sobre a fatalidade do azul da Terra, ou desde a criação do Glam Rock e dos inesquecíveis e perturbadores Ziggy Stardust e Aladdin Sane, seres que incorporou para nos mostrar um rock mais humano e íntimo, até todas as suas experimentações visuais e sonoras que o fizeram o primeiro e o maior camaleão, ou seja apenas para romper com as amarras que atrasam o progresso da humanidade, Bowie quis ser gay e bi e hétero, para nos mostrar que é tudo muito simples na nossa complexidade.

Nada é difícil de entender quando se entende o rock and roll.

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