quarta-feira, 16 de outubro de 2013

BRIAN MOLKO

“Eu sou bissexual praticante. Sei que muita gente não acredita nisso e acha que eu digo ser bissexual apenas para “pegar boceta”, mas isso é problema deles. Eu saí do armário há muito tempo, mas parece haver uma memória seletiva. Todo o mundo se lembra de que Stefan (o baixista) é gay, mas as pessoas ainda pensam que eu estou tentando ser um Brett Anderson (vocal do Suede). O que não é verdade. Eu comecei a ter relações homossexuais quando eu tinha 16 anos, o que já faz um bom tempo.”

Interessante, não? Então um homem andrógino e afeminado não consegue convencer os outros de que também gosta de se relacionar com outros homens? Talvez porque ele tenha relações públicas e estáveis com mulheres e tenha até um filho? Ou porque ele venha da escola de David Bowie, em que ser gay é mais uma “proposta artística” que uma condição sexual de fato? Confesso que eu mesmo colocaria Brian entre aqueles homens femininos, mas héteros, cuja “importância queer” se restringisse a sua “persona artística”. Como Manson, como Bowie, como Iggy Pop, como tantos ídolos queers que, no fim, se “heterossexualizam” para todo o sempre, como bem observou Gary Floyd, “pai do queercore”, em entrevista a este humilde Caralho.

Mas que bom que (parece) não é o caso. Primeiro porque é bacana não estarmos sozinhos no mundo e encontrar gente que realmente seja como nós. Ainda mais ídolos. E Brian Molko, vocalista do Placebo, é dos mais queridos do público queer rock e mais importantes desta cena. Lamento até que o lado positivo dessa identificação não seja percebido por tantos outros artistas. Segundo porque é bom criar uma confusão. Por algum motivo Brian Molko não é óbvio e isto é sempre uma boa nova. Para sacudir os preconceitos e as expectativas. Ainda que não faça sentido ter de convencer ninguém de nada, ainda que seja possível ser bissexual, e não apenas gay, ainda que seja possível ser hétero e andrógino, ainda que seja possível um monte de coisas.

Em outras ocasiões, Brian já até falou mais sobre sua sexualidade. Disse que havia momentos de sua juventude que a atração por homens e mulheres variava por longos períodos, uns em que se interessava mais por um gênero, outros por outro, mas que atualmente sua preferência está bem balanceada, embora “costume ter mais relações com mulheres” porque “não encontra muitos homens por quem se atraia”.

Brian costuma dizer inclusive que gostaria de ser mais discreto sobre sua condição, assim como Morrissey e Michael Stipe (R.E.M.), porque no fim as pessoas valorizam demais essas questões e se perdem do que lhes é fundamental: a música. Porém não conseguiu por ter se contaminado por uma “audácia” inspirada por sua banda. De fato, Placebo estreou com seu álbum homônimo em 1996 e com a faixa mais popular, Nancy Boy, título que, trocando em miúdos, pode ser traduzido por “bichinha”. Isto, com a voz e aparência de Brian, tão peculiares, que renderam à banda muito mais holofotes que a própria música.

Brian nasceu na Bélgica, e sua banda na Inglaterra. No início abriram muitos shows para David Bowie, com quem gravaram um belíssimo dueto, Without You I'm Nothing (1999), além de apresentarem uma versão para uma canção do T-Rex, 20th Century Boy, originalmente gravada apenas pela banda para o filme Velvet Goldmine (1998). Esta conexão com o Glam Rock foi fundamental para pavimentar a carreira do Placebo, embora sonoramente mostre mais conexões com a cena alternativa de Sonic Youth e também com a cena gótica.

Difícil, a despeito de Brian ser honesto sobre sua sexualidade ou não, separar o Placebo do universo queer, e não só pela androginia e estética glam do vocalista. A banda inglesa sempre teve a homossexualidade como tema recorrente de suas letras, além, claro, do tema das drogas. Os dois assuntos caminham juntos em muitos momentos, para um efeito marginal que sustenta os pilares roqueiros dos rapazes. My Sweet Prince, do álbum Without I'm Nothing (1999), é uma das melhores baladas dos últimos anos, que trata justamente de um triângulo amoroso, em que um dos amantes são as drogas. Burger Queen, do mesmo álbum, é sobre ser um gay drogado em Luxemburgo.

Em setembro deste ano foi lançado o sétimo álbum da banda, Loud Like Love, cuja letra (fraquinha, diga-se) de Too Many Friends, além de abordar o moderno assunto da solidão das redes sociais, começa com a frase “Meu computador acha que sou gay”. Mas uma letra pouco inspirada não diminui a importância do Placebo, que sobrevive por ter se desenvolvido entre gente linda e interessante (Bowie, Lou Reed, The Cure, Smashing Pumpkins) e continuar mantendo uma proposta sólida e alternativa às frivolidades. 

Uma banda de grandes hits, como Every You Every Me, grandes covers, como Bigmouth Strikes Again (The Smiths) e Jackie (Sinéad O'Connor), e boas surpresas, como o vídeo explícito para a versão francesa de Protect me from what I want, intitulada Protège-moi, e dirigido por Gaspar Noé. Sim, Placebo é queer e rock. Extremamente. 

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