domingo, 26 de abril de 2015

CLÁUDIA WONDER

Num tempo em que a transexualidade é ainda violentada – pelos familiares, políticos, cidadãos e pelos policiais, autoritários e desumanos –, imaginar uma figura que afronte os pilares do sexo e do gênero, na TV, no cinema e na música parece inovador, mas impensável. Não é. Muitos anos antes de panelaços de dondocas, de canarinhos saudosos da repressão e deputados fundamentalistas ignóbeis, muitos anos antes dessa gente careta e covarde, Cláudia já existia. A revolução já aconteceu.

Ela apanhou de policiais, ficou dias na cadeia a mando do pai, tudo por conta de um batom e um vestido. Mesmo assim, não desistiu: tornou-se estrela da cena alternativa paulistana, montando bandas punks, ocupando palcos de teatros importantes e telas do cinema, sendo tema de crônica de um escritor conceituado. Cláudia Wonder, que gritava aos quatro ventos sua condição de travesti, fez o que roqueiros da nova geração, limpinhos e engomados, mal sonham: arte e rebeldia.

Na música, teve principalmente três bandas. As mais emblemáticas foram nos anos 1980, chamadas Jardim das Delícias e Truque Sujo. Com a primeira, é memorável o show O Vômito do Mito que apresentava em clubes importantes da época, como o Madame Satã, banhando-se nua numa banheira de “sangue”. Cláudia destacava-se por fugir dos estereótipos comuns às travestis e transformistas da época, e decidir não ceder mais às dublagens de divas pop e mergulhar no rock e na contracultura, com trabalhos sempre autorais ou de admiradores, como o poeta Glauco Mattoso e o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa.

Só bem mais tarde, Cláudia rendeu-se à música eletrônica, ainda assim alternativa, com o projeto Cláudia Wonder & The Laptop Boys, cujo álbum “funkyDiscoFashion”, de 2007, recebeu prêmio de revelação no programa de Solano Ribeiro, da Rádio Cultura, famoso produtor responsável pelos Festivais de Música Brasileira, que revelou vários nomes ao país, como Elis Regina.

Sim, a revolução já foi feita. Nós no Brasil, já tivemos Cláudia Wonder, que se orgulhava da palavra travesti e de toda a carga que ela trazia. Contestava gêneros, rótulos, caretices de quem fosse. Assumia-se homem e mulher, porque não abria mão de ser tudo. Cláudia é punk, underground, artista. Um documentário sobre sua vida, Meu amigo Cláudia, pode ser visto na íntegra no Youtube. O título, aliás, vem de uma crônica sobre ela escrita por Caio Fernando Abreu. Porque os dignos se atraem:

"Meu amigo Cláudia é uma das pessoas mais dignas que conheço. E aqui preciso deter-me um pouco para explicar o que significa, para mim, “digno” ou “dignidade”. Nem é tão complicado: dignidade acontece quando se é inteiro. Mas o que quer dizer ser “inteiro”? Talvez, quando se faz exatamente o que se quer fazer, do jeito que se quer fazer, da melhor maneira possível. A opinião alheia, então, torna-se detalhe desimportante. O que pode resultar – e geralmente resulta mesmo – numa enorme solidão. Dignidade é quando a solidão de ter escolhido ser, tão exatamente quanto possível, aquilo que se é dói muito menos do que ter escolhido a falsa não-solidão de ser o que não se é, apenas para não sofrer a rejeição tristíssima dos outros."
(Caio F. Abreu)

sábado, 18 de abril de 2015

ELTON JOHN

Ele nasceu Reginald Kenneth Dwight, em Londres. Assumiu o nome artístico Elton John, em homenagem a dois companheiros de sua primeira banda profissional, a Bluesology, formada no início dos anos 1960. De lá para cá, tornou-se um dos cantores mais famosos do mundo, flertando com o jazz, o blues, o pop e o rock, e dono do single mais vendido da história.

A carreira de Elton é tão extensa e diversa que ficaria difícil enumerar todos as fases importantes. Bastaria, quem sabe, nos lembrarmos de que seu auge foi provavelmente nos 1970, quando foi considerado o segundo artista mais importante da década (atrás de Paul McCartney), período em que lançou seu segundo álbum, homônimo, e primeiro de grande sucesso (da canção Your Song), além de Goodbye Yellow Brick Road (1973) e Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy (1975), outros grandes e muito bem colocados lançamentos. Seu mais recente trabalho é The Diving Board (2013), considerado pelas mídias especializadas uma retomada de sua melhor forma.

Durante muitos anos, Elton se destacou pelo talento como instrumentista e compositor, musicando grandes clássicos, entre eles letras do seu parceiro de longa data Bernie Taupin, com quem trabalha desde os primeiros álbuns (Bernie também é autor de A Love that Never Grow Old, vencedora do Globo de Ouro como tema de Brokeback Mountain e Candle in The Wind, aquela do funeral da princesa Diana e o tal single mais vendido de Elton John).

Elton também chamava muita atenção pelo seu visual, sempre extravagante, bem-humorado e provocativo, que lhe rendeu boas especulações a respeito de sua sexualidade. Embora tenha tido alguns envolvimentos com mulheres no início da carreira, assumiu sua homossexualidade e hoje é um ativista, casado oficialmente, tão logo isso foi permitido na Inglaterra, e pai por barriga de aluguel de duas crianças.
Elton também é fundador da Elton John Aids Foundation, fundada na década de 1990. O envolvimento de Elton com a causa dos soropositivos para o HIV se fortaleceu com a contaminação e morte de amigos próximos do cantor, entre eles o vocalista do Queen, Freddie Mercury. Desde então, Elton luta para apoiar a causa, arrecadar fundos de apoio a campanhas de prevenção e combate ao estigma daqueles que convivem com o vírus.

Hoje, aos quase setenta anos, Elton John é considerado pela Billboard o artista solo masculino mais importante de todos os tempos.

sábado, 4 de abril de 2015

KIKO LOUREIRO

Por esses dias os metaleiros do Brasil tiveram de lidar com uma notícia que estremeceu um tanto com seus ânimos. Alguns excitados, outros apreensivos, mas quase ninguém passou batido da notícia de que Kiko Loureiro, um dos mais famosos guitarristas que temos, integraria agora uma das maiores bandas do metal mundial, a Megadeth.

Há quem tenha achado ótimo, um verdadeiro reconhecimento do metal brasileiro. Há quem tema o quanto essa nova parceria possa afetar a personalidade tanto de Kiko, quanto da banda americana, já que os caminhos percorridos por ambos são suficientemente diferentes. Além, claro, do receio sobre o futuro do Angra, banda da qual Kiko faz parte desde o início dos anos 1990.

Fato é que o guitarrista vai sim dar um novo fôlego aos veteranos do thrash metal e fazer com que a ilha norte-americana tenha contato mais próximo com outro nome tupiniquim. Kiko agora é um dos “big four” da cena thrash e, mesmo que o Megadeth não tenha o tamanho do Metallica, seus riffs serão muito mais prestigiados (vale lembrar ou saber que Kiko já teve algumas páginas da conceituadíssima revista americana Guitar Player dedicada a sua carreira, além de ter sido eleito o melhor guitarrista do mundo pela revista japonesa Burn!).

O Angra apoiou totalmente a entrada de Kiko na banda americana através de sua página no facebook. Não demonstram preocupações sobre o que isso significa agora, depois de pouco mais de vinte anos de estrada e oito álbuns de estúdio (o último, Secret Garden, de 2014). O Megadeth, que já ultrapassa os trinta anos de carreira, parece passar por mais reformulações, com mudanças também na bateria.

O único pesar é que Kiko, nascido Pedro Henrique no Rio de Janeiro, que sempre se mostrou um homem culto, apreciador da obra de compositores de outros estilos, como Tom Jobim, e preocupado com a disseminação da informação de qualidade, dando vídeoaulas na internet, e mantendo uma relação didática e pacífica com seu público, agora se mistura a Dave Mustaine, que nos últimos anos tem contaminado o mundo com sua visão politicamente conservadora e religiosa, parecido com o que faz alguns de nossos bem conhecidos roqueiros oitentistas.

Kiko parece “fino, elegante e sincero”. Bonito também, é claro (mesmo que comportado demais, tirando sempre "a mesma foto" e mal mostrando as carnes por aí). É sem dúvida muito talentoso como multi-instrumentista, tem quatro álbuns solos e, de tão versátil, lá atrás chegou a fazer parte da banda de apoio do grupo Dominó (!). Com tantos predicados, que não se influencie com o lado negro da força e aproveite o que for possível dessa nova fase. E que os gringos se apaixonem por ele tanto quanto nós.

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