quinta-feira, 7 de março de 2013

CHORÃO

Eu gosto muito da voz dele. É uma das minhas preferidas desde que o rock virou adolescente e eu, adulto. É jovial e viril. Tem aquele ar moleque, de rua, ao mesmo tempo despojada e agressiva. É forte, grave, suja. No ponto.

Ouvi-lo cantar é como relembrar aquele garoto do colégio prestes a zoar o colega mais fraco e tímido. Aquele garoto de quem ninguém poderia escapar. Que ocupava os espaços, dominava os territórios e deixava sua marca. No cheiro, na pele, e no olhar. Que no fim da memória e da infância transforma o medo em libido, o ódio em desejo, a repulsa em atração, e ensina a vítima a erotizar o seu algoz.

Chorão era do skate, do hardcore, e do rap. E exercitava a feiura e a rouquidão. Um antigalã. Alguém “todo errado”, como cantava, que berrava a sua geração a plenos pulmões para impor o seu valor. Suas letras falavam de política, de amor, de desigualdade, e refletiram como poucas bandas de sua época o “sentimento jovem”. Não dá para lhe tirar o mérito de ter sido a juventude dos anos 90 e dos anos 2000. E das poucas formas autênticas de vida do rock comercial desse tempo. Personalidade era tudo o que o Charlie Brown Jr tinha.

Gente que busca o rock nos anos 80, 70, ou na cena alternativa ou independente, vê com restrições a obra de Chorão. Compreensível. Não é todo mundo que enxerga filosofia, rebeldia ou ativismo quando a linguagem muda tanto. As comparações se tornam injustas, ainda mais quando a banda de Chorão aceita suavizar seus riffs para se encaixar melhor na TV. Sem dúvida eles faziam mais e melhor do que na abertura da Malhação. Nos shows e nos lados B é que a essência aparecia. E o rock de verdade predominava.

Eu quase coloquei o “Alexandre” aqui na lista dos Hot Rock Bears, mesmo sabendo dos protestos que isto causaria. Ele foge dos padrões mesmo, e se colocou a anos luz de distância do universo gay. Mas como este espaço nunca foi de se submeter ao lugar-comum, sempre foi possível sua presença aqui, ainda mais hoje, ainda mais agora. E, como já foi dito, sua voz era forte demais.

Pensando nela, lembro de um momento da carreira do Charlie Brown Jr. Um show com a Vanessa da Mata que fizeram, dentro de um projeto de TV que visava misturar artistas de estilos diferentes. Simpático e safado, era delicioso ver como Chorão lidava com a cantora (“Mulher bonita e vagabundo sempre combinou”). E como sujava com sua voz, no sentido mais erótico possível, todas as canções.

Destaque para um momento em especial. Porque não dá pra resistir ao Chorão cantando “Do que ela gosta, eu tenho até demais”.

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