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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

JUNINHO SANGIORGIO [PARTE 2]

Quando, naquele 19 de setembro, no espaço do Dynamite Pub que tão prontamente nos recebeu, decidimos gravar em vídeo toda a conversa com o Juninho, o máximo que imaginei é que uma simples chamada da entrevista seria aproveitada. Não foi o que aconteceu. Houve material suficiente para uma primeira parte, em texto e com fotos [exclusivas, de juarez quem], e ainda para uma segunda, que chega agora no formato inédito de vídeo. 

Se na primeira parte [que pode ser acessada neste link], focamos mais um lado pessoal, e sobre a história das bandas de Juninho, deixamos para a segunda temas mais espinhosos, como o ganguismo sempre existente no meio punk, sobre a influência das bandas, em especial do Ratos de Porão, nessa violência, e os aspectos positivos e negativos, que resultam em muito preconceito, da filosofia straight edge – contra o uso de drogas.

E hoje é justamente o dia em que o Ratos de Porão celebra seus 30 anos de carreira, com show no Hangar 110, em reunião com integrantes de todas as fases da banda. Melhor data, improvável. 

Confiram!


terça-feira, 1 de novembro de 2011

JUNINHO SANGIORGIO [PARTE 1]

Há quase dez anos ele assumiu o baixo de uma das bandas mais populares e importantes do punk brasileiro, o Ratos de Porão, que comemora 30 anos de existência. Passou por diversas outras bandas, ajudando a escrever a história da nossa cena independente: Point Of No Return, das primeiras por aqui a promover o metalcore e a filosofia straight edge, além da também tradicional Discarga, a recente e alternativa Eu Serei A Hiena e a hardcore O Inimigo, que completa sua primeira década de carreira.

Juninho é o entrevistado da vez, numa conversa que será dividida em duas partes. Aqui ele fala da primeira banda, das mudanças de som, da cena internacional, e da possibilidade de um integrante homossexual numa de suas bandas. E isto é só o começo. Depois, pura surpresa. Aguardem!

CDOROCK - Qual foi a sua primeira banda?

JUNINHO - A primeira banda que eu tive chamava Cabeças de Panetone, com amigos de quando eu era bem moleque. Tenho contato com alguns deles até hoje. E, por coincidência, o primeiro show da banda foi aqui na rua 13 de maio também [local do Dynamite Pub, onde a entrevista foi feita], num bar que tinha aqui pertinho, no PC Bar, que era do Partido Comunista. Os caras chegaram: “Vamos fazer um show ali e tal”, e juntou umas outras bandas da época. Nem lembro se tinha amplificador, o que tinha, a gente chegou e tocou, sabe? Eu era bem novo... E depois disso fui tocando em várias bandas. E logo depois desse meu início tive muito interesse por hardcore, punk rock, conheci o pessoal straight edge, que tinha uma cena legal já aqui em São Paulo, então me envolvi com essa galera e comecei a ter banda com esse pessoal.

CDOROCK - Qual era o som dela?

JUNINHO - Essa primeira banda que eu tive já era de hardcore, de punk rock. Tinha como influência Misfits, Ramones, Sex Pistols, e algumas bandas de hardcore, Gorilla Biscuits, Minor Threat, e eu já comecei a ouvir Circle Jerks, MDC, que são essas bandas clássicas dos anos 80. E a gente já cantava em português e tal.


CDOROCK - Tanto o Ratos quanto o Discarga têm uma carreira bem longa. Qual o segredo para manter uma banda independente por tanto tempo?

JUNINHO - Bom, o Ratos eu peguei mais do que o bonde andando. A banda tá comemorando 30 anos em 2011 e eu tô na banda há 8 anos só. Já é bastante tempo, mas não perto da história da banda. Quando entrei no Ratos eles já tinham um ritmo de como fazer os shows, de como trabalhar, de gravação, de ensaio, então eu meio que acompanhei o jeito deles, não tive muito como alterar isso daí. Mas com o Discarga, que é a banda em que eu toco há mais tempo, a gente se mantém sempre o mais simples possível, não fica achando muito que tem que evoluir, melhorar, crescer, isso a gente não pensa. A gente acha que a gente tem que tocar, fazer as coisas que a gente acredita, que a gente gosta, naturalmente. Tem um show que é bem simples, num lugar que é pequeno, não tem equipamento? A gente faz. Tem outro com mais estrutura, a gente faz também. Tem um que tem dinheiro, a gente faz, tem um que não tem, a gente faz também. Então a gente mantém um padrão simples e dessa forma a quantidade de shows em que a gente já tocou foi grande, turnês no nordeste, lá no sul, muitas cidades do interior, já fizemos shows fora do país, já fizemos três turnês na Europa, tudo nesse esquema, pagando a passagem do bolso. Chegando lá, recuperamos a passagem vendendo camiseta, vendendo disco, cd, e trabalhando dessa forma sempre deu muito certo, assim indepedente, e acho que ficar subindo muito a cabeça é meio viagem, sabe? Quem acaba pensando assim não vai longe, porque não é uma realidade da música independente. Então quem pensa muito dessa forma acaba se dando mal... é um erro pensar assim.

CDOROCK - Suas bandas tocam por diversos países. Como acontece de uma banda fora do meio comercial conseguir espaço para tocar e se divulgar fora do país?

JUNINHO - Ninguém tem noção do tamanho que a cena independente de punk e hardcore tem no mundo inteiro. Se você entrar em contato com um cara da Indonésia, é fácil de você marcar um show lá. Porque do mesmo jeito que tem a gente pensando, fazendo as coisas, com banda aqui no Brasil, tem gente da mesma forma no Chile, no Canadá, na Indonésia, na Malásia, na Austrália, no Japão, então é questão de arriscar. Falar: “Meu, vamos fazer uma turnê no leste europeu? Tocar na Rússia, ir lá pra Escandinávia?” Você acha pessoas que pensam igual a gente lá também: “Ó, a gente é Discarga aqui do Brasil e tá a fim de fazer uns shows aí”. Daí o cara fala “Ah, tá, vamos marcar um show num clube aqui, o dinheiro todo da entrada a gente dá pra vocês...”, aí você vai marcando um, marcando outro, quando vai ver você já tem uma turnê de 40 shows marcados, e com esse pouquinho em pouquinho de cada show você vai se mantendo, consegue pagar o equipamento que você alugou, uma van, ou consegue recuperar dinheiro da passagem. Então existe uma cena independente enorme no mundo inteiro, muito fora do lance do mainstream, do lance da grana, do patrocínio, dessas coisas, e funciona muito legal, tem muita gente muito legal fazendo muita coisa boa por aí, várias casas de show, ou mesmo galpões, pubs, casas de amigos que moram juntos e onde tem um espaço pra fazer show; então viajando você vai conhecendo esse pessoal, entrando nesse meio você conhece muita coisa interessante. 


CDOROCK - E como era esse contato nos tempos sem internet?

JUNINHO - No comecinho ali, em 1995, 1996, não tinha tanto ainda a coisa da internet. Eu tinha banda, fazia shows nessa época, a gente fazia mala direta de cartaz, porque as pessoas deixavam o endereço nos shows. Eu peguei um pouco essa época aí, de divulgação total por cartaz na rua, lambe-lambe, flyers na Galeria [do Rock], e isso existe até hoje, porque é importante, a parte física é importante, muita gente vai na Galeria, numa loja e vê um cartaz do show e fala: “Olha esse show aqui, legal”. Aí na mesma loja tem o flyer, pega, guarda na carteira e vai no show, tem muita gente assim. Então acho importante manter isso daí, porque ainda funciona. Dizer que a internet hoje resolve 100%... Eu já não acho que é verdade. É muito legal você ver um cartaz bonito numa loja, um A3 colorido lá. E voltando a falar da experiência que eu tenho com o pessoal do Ratos, ou mesmo por conhecer um pessoal de bandas mais antigas, lembro do pessoal do Cólera, que fez uma turnê em 1987 na Europa. Eles marcaram coisas por telefone, falando com os caras lá, tirando alguma coisa por carta, aí viajaram pra lá, e quando chegaram não tinha todos os shows marcados, tinha alguns do começo e aí por telefone foi montando outros... Às vezes ficavam uns três, quatro dias sem shows, ou uma semana, era uma coisa bem estranha, difícil de imaginar hoje em dia... O pessoal do Ratos, que fez turnê em 1989 lá pela primeira vez, também conta umas coisas assim. Milhões de turnês dos anos 1970, dos anos 1980 foram feitas dessa forma.

CDOROCK - Eu Serei A Hiena tem uma proposta mais ousada, por ser principalmente instrumental e por ter vocalistas convidados. Como surgiu essa ideia e como tem sido a repercussão do público?

JUNINHO - No Eu Serei A Hiena a gente juntou uns caras que sempre tiveram banda e sempre tocaram juntos em outras bandas e sempre foram amigos de muito tempo. A ideia inicial era fazer um som tipo Fugazi, At the drive in, essas bandas mais ousadas como você disse, Sonic Youth... um pouco fora do padrão do hardcore cru. A gente tentou com alguns vocalistas no começo, mas não deu muito certo, nos ensaios não fluiu muito bem, então a gente decidiu manter a banda instrumental e foi compondo música, fazendo coisas, e pintou a ideia de no disco chamar alguns amigos pra cantar. E aí rolou o primeiro disco, que teve o Rodrigo, do Dead Fish, o Nekro, lá do Boom Boom Kid, o Farofa, do Garage Fuzz, o Mauricio Takara, o Chacal – um amigo nosso que fez o remix de uma música lá também –, e aí o pessoal gostou pra caramba. Era o pessoal do hardcore indo ver a gente, mas eles estavam lá pra ouvir um som diferente, então todo mundo gostou e a gente continuou compondo; aí teve o segundo disco, que a gente fez da mesma forma, chamando alguns amigos pra participar, fosse cantando, ou tocando piano, ou violoncelo, e a gente continua tocando e quer mais pra frente fazer um terceiro, um quarto disco, sempre nesse mesmo molde aí.

CDOROCK - O Ratos mudou bastante nesses anos, de integrantes, de som. Como avalia essas mudanças?

JUNINHO - Eu acho positivo, porque foi algo natural, do que eles estavam sentindo na época, sabe? Não estavam muito satisfeitos com o que tava rolando ali no meio do punk, e começaram a fazer um lance meio metal. Eles não seguiram nenhuma moda, não seguiram nenhum padrão, foram fazendo o que estava dando vontade, e isso deu supercerto, porque essa mistura, primeiro com o punk, depois com o metal, virou uma característica da banda, então você vai num show deles de muitos anos pra cá, e vê gente de moicano, jacko de couro, punk, e tem os metaleiros com camisa do Iron Maiden também. É uma junção interessante, essa galera que tem em comum o Ratos, o som agressivo. 


CDOROCK - O Inimigo também mudou, até de nome...

JUNINHO - Já no caso do O Inimigo, no começo a banda tinha um nome em inglês, Death From Above, e por dois motivos a gente decidiu mudar. Primeiro porque a gente queria um nome em português e cantar em português, e segundo porque já existia uma banda americana e outra até na Europa com o mesmo nome; e na época a banda tinha pouco tempo de vida, um ano ou pouco mais só, e foi positivo. Esse lance de cantar em português, a gente dá muito valor, você consegue se expressar muito bem na hora de compor, e a gente toca pra galera daqui, as pessoas entendem muito melhor em português, isso é óbvio, e fica também interessante divulgar o som pra fora porque as pessoas falam “Meu, os caras cantam na língua deles”, o que soa diferente e pode ser favorável pra gente. Então todas as mudanças eu acho positivas.


CDOROCK - Cantar em português não atrapalha a divulgação da banda lá fora?

JUNINHO - Se você coloca a sua letra em inglês, é óbvio que é mais fácil pro pessoal de fora entender, mas, na hora que você canta, pelo tipo de som, não fica muito compreensível, então se você faz no encarte do disco uma tradução de todas as letras pro inglês, já será uma coisa muito interessante, é mais do que suficiente, porque o cara canta na língua dele, na qual consegue se expressar bem, e traduziu ali pro resto do mundo entender, ou ao menos pra quem entende inglês. Então eu acho que a melhor forma de a gente se promover é dessa forma, sendo o mais natural possível, escrevendo em português, que é nossa língua, e traduzindo pras outras línguas.

CDOROCK - Em shows de punk, o público costuma ficar bastante "empolgado". Já tiveram problemas com isso?

JUNINHO - A empolgação do público é a coisa mais normal que tem. A música é agressiva, é rápida, é barulhenta, você não pode esperar que as pessoas assistam ao show sentadas. O que a gente acha mais legal são os shows onde não tem segurança, onde não tem grade, com acesso direto, o pessoal na nossa frente ali. Tanto é que todos os shows menores sempre são muito melhores, porque dá pra sentir mais a troca de energia com o público. Só que principalmente com o Ratos, que faz shows para mais gente, em casa maiores, sempre tem grade, segurança, então sempre tem problema. Sempre tem briga. Porque o cara vai no show, quer subir no palco pra pular, o segurança às vezes agarra ele, dá uma chave nele, machuca o cara. Às vezes a gente até para o show... Teve até um episódio em Recife, onde tinha mil e quinhentas pessoas, e na primeira música já quebraram a grade, e a gente viu um segurança com uma máquina de choque, dando choque na galera. Mas também tem shows em que os caras são sem noção, sobem no palco derrubando tudo, chutando, pisam no pedal, mas a gente mesmo fala: “Meu, você tá atrapalhando, presta atenção”. Às vezes o cara fica cuspindo, e a gente: “Ô, você gastou vinte reais pra vir aqui pra cuspir? Você é um idiota, [e, pro público] uma salva de palmas pra esse imbecil aqui”. A gente tem essa intimidade com o público pra segurar a onda nisso daí.

CDOROCK - Algumas bandas punks têm a imagem associada à violência, e até ao machismo. Caberia um integrante homossexual nas suas bandas, em especial no Ratos?

JUNINHO - Um integrante homossexual? Putz, sei lá, acho que sim, depende do comportamento da pessoa. Porque o cara pode ser a maior “biba doida” ou pode ser um cara mais na boa. Não sei... mas, no caso do Ratos, quem seria eu pra falar se a pessoa caberia ou não? Eu sou o novinho da banda, se tivessem de escolher sobre a pessoa entrar ou não, isso seria com os outros integrantes. Dentro do hardcore eu conheço várias pessoas que são homossexuais e eu acho isso uma coisa normal, mas depende também do tipo de ideia que o cara quer propagar dentro da banda. Por exemplo, dentro do O Inimigo a gente não tem nenhuma letra que fala sobre esse assunto, então não é só porque tem um homossexual na banda que tem que mudar alguma coisa. A gente trataria como uma coisa normal: um cara na banda, um gay, uma mina... Não teria nenhum problema se a gente continuasse fazendo tudo como sempre fez. Se fosse o caso de ter um gay na banda e por causa disso não poder tocar mais tal música, isso eu acho que não teria nada a ver.


CDOROCK - Você também curte andar de skate. Por que acha que o skate se mantém associado ao hardcore há tantos anos?

JUNINHO - Eu conheci alguns gringos, uns americanos que fizeram as trilhas sonoras de alguns filmes da Powell Peralta, do Stacy Peralta, os caras de Dogtown, e eles me contaram sobre os primeiros filmes de skate que foram feitos, quando os caras foram atrás de trilha sonora e quiseram colocar bastantes bandas de punk rock, como Agent Orange, e isso meio que seguiu. Acho que por ter muita agressividade no esporte, e isso ter a ver com uma música também agressiva. Claro que tem vários vídeos de skate que foram feitos já com os new wave, coisa assim, e depois mais pra frente com o hip hop, que já é uma parte que eu não acho tão legal, que não curto tanto, mais anos 1990, mas acho que quiseram conciliar a agressividade do esporte com a da música, o que acho que tem a ver. Andar de skate ouvindo um som é muito bom.



CDOROCK - Alguma comemoração em vista pros 30 anos do Ratos de Porão e os 10 anos do O Inimigo?

JUNINHO - O Ratos vai fazer um show dia 11/11/11, lá no hangar 110, vai ser um show de comemoração dos 30 anos, e a gente chamou os integrantes antigos do Ratos, desde ali do Betinho, Jabá, Spaguetti, essa galera antiga. Com O Inimigo a gente tem uma formação nova da banda, de dois anos pra cá, e a gente gravou um disco novo que vai sair ainda este ano. Vai ter um show de lançamento, mas sem data ainda marcada.



CDOROCK - Você se acha um cara bonito?

JUNINHO - Bonito? Não, não...

CDOROCK - Não percebe, quando você tá tocando, nenhum alvoroço, alguém que chegou em você...

JUNINHO - Alguém chegar em mim e falar “Você é bonito”?

CDOROCK - Ou pior...

JUNINHO - [Risos] Já me falaram que sou bonito, que sou feio, que sou normal... Depende da opinião de cada um, mas não é algo com que eu me preocupe, aparência e tal, gosto de fazer as coisas que faço, o mais natural possível, e acho que assim tá fluindo bem...


Fotos: juarez, quem?
Agradecimentos: Dynamite Pub

PARTE 2

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

SCOTT MOORE [ENTREVISTA]

Eu já falei dele, em outros tempos. Buscando quem do Limp Wrist eu poderia estampar aqui para comentar sobre a tão importante banda do queercore, Scott Moore, o guitarrista, foi o primeiro que me chamou a atenção. E o show no Brasil semanas atrás rendeu, além da entrevista com o vocal Martin, mais este bom fruto. Aos 36 anos, com cara de mau, jeito de poucos amigos, Scott fez sucesso entre os meninos do hardcore e os ursos. 

E Scott, ah, Scott... ele conversou conosco também. Este blog realmente nunca mais será o mesmo!

Mais uma vez agradecimentos especiais a todos que contribuíram para a realização desta matéria. Bruno Foca, Leco Vilela, Rodrigo de Araujo, Diego Volpi, e os Lagartos: Roberto e o espiritualizado Luís, que não curtiu lá tudo o que o nosso muso disse.  A todos muito obrigado ;)

CDOROCK - Olá, Scott. É um prazer entrevistá-lo. Nossa primeira pergunta é: como você entrou para o Limp Wrist?

SCOTT - Há alguns anos, tanto eu quanto Andrew, o baixista, morávamos na Filadélfia (ele mora em Nova York, agora). Um dia, o antigo guitarrista da banda passou em minha casa. Eu não o conhecia, propriamente, mas ele viu minha bateria e disse, “ah, você é baterista?”, ao que eu respondi “sim”. Ele disse que estavam montando uma banda e me falou sobre a ideia inicial, que era montar uma banda straight edge. Eu disse pra ele, “bom... eu gosto de fumar maconha...” [risos] “mas, beleza, eu toco na sua banda”. E foi assim que começou, foi assim que entrei para a banda. Eles já tinham o conceito antes de eu chegar, mas precisavam de um baterista, então... eu me tornei o baterista.

CDOROCK - Em que ano foi isso?

SCOTT - Acho que era 1999. Eu toquei bateria na demo, mas depois acabei saindo da banda. Foi quando conseguiram Paul para me substituir. Aí, houve um desentendimento com o guitarrista e eles me ligaram um dia perguntando se eu queria fazer uma turnê pela Costa Oeste, tocando guitarra. Acho que isso foi em 2004, talvez. Eu disse “sim, vamos tentar e ver o que acontece e tal”. Foi do caralho. Nós decidimos escrever novas músicas e continuar tocando dali em diante.


CDOROCK - É muito difícil ser respeitado na cena punk com letras que tratam sobre assuntos gays?

SCOTT - Não necessariamente... Eu acho que nós tivemos um grande número de pessoas que nos apoiaram desde o começo. Acho que... no começo, usávamos bastante malícia, piadas, uma coisa meio afetada, sabe? As pessoas podiam pensar que aquilo era apenas algum tipo de artifício barato para o qual estávamos apelando para nos tornarmos conhecidos. Mas, não – havia algum humor, claro, mas não era como se tudo fosse apenas uma piada para nós. Eu acho que foi o jeito de expressarmos nossas experiências, sendo gays e também estando envolvidos na cena punk. Acho que amadurecemos, desde então. Começamos a banda há mais ou menos 12 anos, então... todos amadurecemos e mudamos. Eu acho que nossas letras refletem algumas das mudanças pelas quais passamos, entende? Por exemplo, quando começamos a banda, eu já havia me assumido, mas só me sentia confortável quando estava com outros amigos punks. Hoje em dia, eu tenho vários amigos gays, e experimentei coisas nesse mundo que não tinha experimentado antes. No começo, estávamos apenas tirando um barato daqueles caras “ultramasculinos”, durões... Não fazemos mais isso. Amadurecemos; não dá pra ficar numa eterna autorreferência. Acho que a banda mudou bastante, desde sua concepção.

CDOROCK -  E no mundo gay, é difícil ser respeitado com uma banda hardcore?

SCOTT - Tipo, eu tenho vários amigos gays que não necessariamente curtem hardcore, mas que são artistas, músicos, dj’s, que organizam festas... São todos pessoas criativas. Eu sinto que, mesmo que eles não ouçam hardcore, eles vêm aos nossos shows, nos apoiam, meio que “captam” a energia e acham que o que estamos fazendo é interessante, então... Dessas pessoas, e de outras pessoas que estão fazendo música, arte e tudo o mais, nós recebemos bastante respeito. Já quanto aos gays “normais”, eu não sei – não acho que eles viriam aos nossos shows, de um jeito ou de outro. Enfim – pelas pessoas que estão fazendo coisas criativas no mundo gay, nós somos respeitados, sim. 

CDOROCK - Como é a cena queer nos Estados Unidos? O número de bandas é grande?

SCOTT - Não, não é. Acho que há várias bandas queer, ou bandas com membros queer, mas não necessariamente queercore. Tem o Hunx and his Punx, pensando em bandas da Bay Area (área da baía de San Francisco, na Califórnia). Younger Lovers, Brilliant Colors... Tem o Livid, cujos membros estão realmente trabalhando questões sobre identidade de gênero e coisas do tipo... Mas, uma cena coesa... Não acho que exista uma cena queercore coesa como se pode talvez dizer que existiu nos anos 1990. Há, sim, todo um pessoal queer – músicos e pessoas fazendo música na cena punk. Andrew, o baixista do Limp Wrist, organiza uma festa em Nova York chamada Q.B.R., com foco em bandas de rock e punk com pegada queer. Pode ser que ele saiba mais sobre isso, mas, com relação a uma cena queercore coesa... realmente não sei dizer. 


CDOROCK - Em sua opinião, quem é a maior personalidade  queer do rock? 

SCOTT - Para nós, seria Gary Floyd, do The Dicks, de Austin, Texas. Tipo, nos anos 1980, cantar sobre chupar pinto na sex shop, ou sobre ficar secando o carinha no estacionamento do mercado enquanto a esposa dele está do lado e coisas desse tipo, como se vestir de mulher, entende? No começo dos anos 1980, em Austin, Texas... Já para mim – eu cresci ouvindo heavy metal, então acho o máximo que alguém como Rob Halford seja gay e tenha se assumido. Acho que isso provavelmente fodeu com a cabeça de muita gente. E eu acho que o Seth, do Hunx and his Punx, é simplesmente brilhante. Ele tem uma personalidade brilhante, é divertido, criativo... Acho que ele é uma pessoa realmente legal.

CDOROCK - Vocês já tiveram bandas que muitas pessoas curtem, como Los Crudos, Kill the Man who Questions e, recentemente, Needles. Vocês têm outros projetos em vista?

SCOTT - Por ora, Limp Wrist e Needles são tudo o que estou fazendo, musicalmente. Quanto ao Paul, o baterista, as duas bandas dele, Nuclear Family e Acid Reflux, acabaram de se separar. Mas ele está mudando de cidade agora. Tenho certeza de que, quando se assentar, ele terá novos projetos. Andrew está bastante ocupado com a pós-graduação e o Martin... bom, talvez ele tenha uma outra banda em formação, mas não estou bem certo. Martin e eu fazemos parte do Needles.

CDOROCK - Vocês ganham a vida apenas com as bandas ou têm outros trabalhos?

SCOTT - Bom, nós não tocamos juntos com muita frequência, porque vivemos em costas diferentes. Nós tocamos por diversão e, se as contas dos shows fecham e nós fazemos alguns trocados, legal, mas... É mais como um projeto nosso, entende? Tocar com a banda nos permite ir a lugares que possivelmente não teríamos como ir de outra forma. E, bem, eu trabalho como barbeiro. Estou fazendo um curso de barbeiro, e em breve faço o exame para poder receber a licença. Tenho um emprego em um salão, no qual vou começar quando voltar pra casa. Então... é, eu corto cabelo. 

CDOROCK - Você só corta cabelo de homens?

SCOTT - Nós escolhemos o gênero. Você corta apenas cabelo de homem, ou corta... de tudo. Por ora, meu foco é em cortes masculinos, porque é isso que aprendo na escola. São tipos diferentes de escola – você aprende coisas diferentes, quando escolhe entre o curso de barbeiro e o de cosmetologia. Por ora, aprendo cortes masculinos, mas não sei quanto ao futuro. Estou aberto a aprender como fazer cortes femininos. Agora, meu foco é mais aquele estilo clássico de barbeiro, que faz sua barba com aquelas lâminas tradicionais e tal.

CDOROCK - É engraçado, porque você raspa seu cabelo. É porque não gosta de “trazer trabalho pra casa”?

SCOTT - Bom, é... eu raspo meu cabelo, então não tem nada que eu possa fazer com ele. [risos]

CDOROCK - Por que escolheu barbearia?

SCOTT - Bom... foi algo que eu decidi aprender em uma escola – algo de que eu realmente gosto. Sei lá, eu gosto da ideia de sentar com alguém e meio que focar na pessoa, entender, bater um papo... Conversar... É quase como uma espécie de terapia. Me parece que as pessoas gostam bastante de ter alguém que preste atenção nelas por 45 minutos, entende?

  
CDOROCK - Na música “What’s up with the Kids”, você diz algo como “Vocês estão com a bíblia enfiada no cu e Cristo é seu cafetão.” Qual é a posição da banda com relação à religião? E sobre o poder religioso no mundo?

SCOTT - Bom... eu não posso falar sobre como a banda toda se sente, mas, pessoalmente... Como poderia dizer... Acho que o cristianismo é tipo uma porra de uma grande fantasia. Você vai a essas catedrais e igrejas... Pra que serve essa porra? É tipo a fantasia mítica de alguém, e é um desperdício de espaço. Há muito que poderia estar sendo feito com essa merda. Eu não tenho nenhum respeito por isso, na verdade e, como homossexual, eu sinto que é a porra da origem da maioria dos preconceitos do mundo contra homossexuais. Quando alguém diz que é gay e cristão, eu acho que é uma puta contradição. Nào consigo entender. Não entendo. Sei lá. É foda.

CDOROCK - O que você acha da religião no hardcore? Tipo hardcore cristão, krishnacore... Acha que são possibilidades?

SCOTT - Ah, não há lugar pra isso. Não há. Pra mim, acho que [o hardcore] não seja lugar pra isso, pessoalmente, mas, você sabe, as pessoas estão na sua própria viagem, e eu acho que tem gente que precisa de algo para ajudar a suportar, algo em que acreditar, mas é meio que uma vergonha. Seria legal se mais pessoas pudessem encontrar qualquer que seja a “força externa” que elas acham que precisam usar como parâmetro ou horizonte moral, tipo, algo que lhes diga como viver suas vidas... Seria legal se as pessoas pudessem encontrar isso dentro de suas próprias mentes, e não em uma porra de livro fictício sobre um cuzão que nunca existiu. [risos]

CDOROCK - No Brasil, costuma-se reclamar que é muito raro encontrar gays que curtam rock hardcore. Nos Estados Unidos, é mais comum?

SCOTT - Sim, há gays que curtem rock, punk e coisas do tipo. Quer dizer, não são tantos, porque o punk pode não ser atraente para muitas pessoas e todos querem fazer parte de algo em um lugar onde se sintam confortáveis. Muitas vezes essa energia ultramasculina não os atrai [aos gays]. Ainda assim, eu acho que, com a banda e tudo o mais, nós conhecemos um bom número de pessoas que curtem rock e punk e tal e que são gays.


CDOROCK - Você acha que as pessoas que querem “pagar de machos” nos mosh pits [espécie de dança ou movimento típico em shows de rock, em que parte do público se empurra com alguma agressividade] estão afastando mulheres e gays da cena hardcore? O que acha de pessoas que usam os mosh pits para serem violentas?

SCOTT - Bom, eu acho que são, provavelmente, homossexuais enrustidos. [risos] É interessante, porque às vezes falamos sobre como as pessoas criam essa ideia de [ que a cena deve ser um] “espaço seguro”. Não sei se acredito mesmo nesse tipo de coisa. É chato que [a violência] desfaça essa impressão para muitas pessoas, sabe, porque a energia em si pode ser muito boa. No meu caso, uma coisa que me irrita é quando pessoas tentam dizer a outras para não fazer certas coisas, para que possam me proteger, entende? Estou fazendo sentido? Tipo, eu não preciso que ninguém me diga – que ninguém diga aos outros o que fazer por mim. Se eu tiver algum problema, mas quiser estar ali [na cena], porra, deixa que eu lido com isso sozinho. Acho que é um dos problemas com esse lado hipócrita do punk hardcore, tipo, essa coisa de as pessoas tentarem falar por outras pessoas. No hardcore, há pessoas ignorantes, mas há ignorantes em qualquer lugar que você vá, não importa o que você faça, não importa de qual cena você participe. Então, se você sente que realmente quer estar ali, você luta pra estar ali, você se manifesta, entende, fala por si mesmo, para conquistar seu lugar.


CDOROCK - Além de hardcore, você gosta de outros tipos de música? O que você costuma ouvir?

SCOTT - Eu ouço vários tipos diferentes de música. Não escuto hardcore o tempo todo! Eu cresci ouvindo heavy metal... Ouço bastante sons psicodélicos dos anos 1970... Muito techno... Eu gosto de música eletrônica; tenho me interessado [por isso] bastante nos últimos anos. E... que mais...  Eu gosto de rock de arena e todo tipo de coisa que é legal e interessante. Não acho que conseguiria ouvir só um tipo de música o tempo inteiro.


CDOROCK - Atualmente, no Brasil, estamos passando por mudanças na legislação, com os homossexuais conquistando direitos e algumas vitórias, mesmo tendo toda uma pressão religiosa contra. Vocês têm interesse em política? Com relação aos direitos gays, como estão as coisas para os americanos agora?

SCOTT - Bom, eu realmente não acompanho... Tipo, há leis que passam, e então são revogadas, e toda essa coisa com os casamentos gays que eu honestamente não presto muita atenção. É interessante... eu sempre tive um conflito interno com relação ao negócio do casamento, porque me parece, às vezes, que tudo que as pessoas estão lutando é pelo direito de serem entediantes. Tem uma parte de mim que já cansou dessa história de casamento, porque, pra um monte dessas pessoas, parece ser tudo que elas têm na cabeça, como se não se importassem com nada além disso, mas eu nem sei se é esse, mesmo o caso. Pode ser só um assunto que está na moda, sabe, só uma tendência política. Ao mesmo tempo, uma aceitação mais ampla do casamento gay poderia mais ou menos normalizar a homossexualidade, e isso impediria coisas como... moleques gays sendo assassinados em cidades pequenas. Esse tipo de coisa é realmente importante, então... mesmo que eu meio que não goste, ou esteja entediado com o assunto, eu tento não ter uma visão muito limitada a respeito e tento perceber o que isso poderia de fato trazer para a juventude e para a atitude da sociedade em geral.


CDOROCK - Mudando de assunto – vocês são muito assediados durante os shows?

SCOTT - Tipo, assediados sexualmente? Bom, não. Na verdade, não. [risos]

CDOROCK - As pessoas não te veem como um rock star? Ou é a cena hardcore que é diferente?

SCOTT - É de boa, porque, quando tocamos, tem sempre um contingente de gays que vêm nos assistir e – não há assédio: na maior parte das vezes, as pessoas são legais e dizem um “oi” e tal, mas... não. Nada de assédio. 

CDOROCK - Algum fã poderia ter uma chance com você?

SCOTT - Hum... não. Eu tenho um namorado maravilhoso.

CDOROCK - Certo, Scott. Obrigado pela entrevista! Há algo mais que você gostaria de falar ?

SCOTT - Eu apenas gostaria de agradecê-los por fazer a entrevista, e dizer que foi muito bom ter uma chance de vir pro Brasil, já que eu não sei se teria alguma chance de vir pra cá, se não fosse pela banda, então... obrigado. Até mais!

Fotos: Leco Vilela [1-10]. Aquivo pessoal [11-16]. Celso tavares [17, 18].
Fotos do show realizadas no Centro Cultural da Juventude (CCJ) em São Paulo. Entrevista e fotos da entrevista realizadas no DCE Curitiba, durante o evento Verdurada.

sábado, 13 de agosto de 2011

MARTIN SORRONDEGUY


Talvez este blog tenha chegado ao ápice de sua carreira queercore. Semanas atrás esteve em chão brasileiro aqueles que são considerados o principal nome do punk gay no mundo, Limp Wrist. Não são os pioneiros da cena, mas a banda é a que mais reúne as características que todos os roqueiros homossexuais procuram. Som agressivo, integrantes gays, letras explícitas, nada de ambiguidades e pudores. Limp Wrist é punk. Limp Wrist é gay. E, não, não é aquele punkzinho moderno, de "buáti", que as "colocada" dança se sentindo rebelde. O som é uma porrada no ouvido.


E Martin é o cara. Punk há décadas, nascido no Uruguai, vivendo em Chicago, conquistou o mundo com sua saudosa banda Los Crudos, grande nome da cena underground dos anos 1990. E hoje se destaca como um dos mais importantes roqueiros da história.

E esse cara bateu um papo com este humilde espaço. O Caralho nunca mais será o mesmo.

Agradecimentos especiais a todos que contribuíram para a realização desta matéria. Bruno Foca, Leco Vilela, Rodrigo de Araujo, Diego Volpi, e os Lagartos: Roberto e Luís. Muito obrigado ;)


CDOROCK - O Limp Wrist é uma enorme influência para os homossexuais envolvidos na cena punk/hardcore. Como é isso pra vocês?

MARTIN - O que posso dizer é que isso faz com que eu me sinta honrado, sabe? Porque é isso que nós fazemos, somos gays e somos punks, e temos sorte, acho, de que as pessoas tenham realmente prestado atenção em nós. Acho que não há muito que eu possa dizer sobre isso... É uma honra, é muito bom. Acho que as pessoas que gostam da banda podem responder melhor!

CDOROCK - Não é muita responsabilidade?

MARTIN - Faz parte. Já houve garotos que chegaram para mim dizendo coisas como “sua banda tem sido muito importante em minha vida”, “quando eu saí do armário, foram bandas como a sua que me deram coragem”, e isso é... impactante, isso é muito impactante. Então... me sinto honrado. Essas pessoas respeitam o que fazemos e eu respeito o que esses garotos fazem, assim como a qualquer pessoa.


CDOROCK - Por que a banda se chama “Limp Wrist”?

MARTIN - Porque é um nome que não esconde nada. É direto. Essa expressão [algo como “munheca mole”, em uma tradução livre] é muitas vezes usada para ridicularizar pessoas, mas nós a usamos como algo que nos fortalece. É uma expressão inegavelmente gay e nós gostamos disso.

CDOROCK - Foi difícil para você montar e manter uma banda queercore?

MARTIN - Não... Sabe, no mais das vezes, as pessoas apoiam bastante a banda. Nos Estados Unidos, mesmo pessoas que não são gays gostam realmente do Limp Wrist, nos apoiam e isso tem sido ótimo. Somos sortudos.



CDOROCK - Quem é o público da banda?

MARTIN - É todo mundo. Todo mundo. Nossos shows favoritos são quando temos todos os tipos de pessoas presentes. E já tivemos de tudo, de transsexuais a héteros, a gays, punks, metaleiros – todos no mesmo espaço, o que é melhor. Isso é diversão.

CDOROCK - Vocês vivem em partes diferentes dos Estados Unidos. Como fazem para se encontrar e fazer shows e tudo o mais?


MARTIN - O que acontece é que alguém nos convida, como nos convidaram a vir aqui, e então nos reunimos e praticamos por alguns dias. Fazemos alguns shows, partimos e seguimos fazendo mais alguns shows e eventos. O Limp Wrist não se reúne com muita frequência. É muito raro que toquemos juntos, mas, quando o fazemos, é divertido.

CDOROCK - Você acha que todo mundo que gosta do Limp Wrist se preocupa com os direitos dos homossexuais ou a maioria apenas curte o som da banda, sem tanta encanação com as letras das músicas?

MARTIN - Bom, eu não acho que ninguém venha nos ver somente pela música. Alguns garotos, algumas pessoas podem se preocupar se seriam ou não vistos em um show do Limp Wrist... Se têm medo disso, acho que acabam nem vindo! Então... acho que todos têm, sim, bastante consciência [da nossa mensagem] e assinam embaixo, gostam, apoiam.


CDOROCK - As cenas hardcore e straight edge são tão abertas quanto parecem, ou você ainda vê nelas preconceito?

MARTIN - Eu acho que as cenas com as quais temos tido contato são bastante abertas. Com certeza há pessoas que não gostam do que fazemos, mas nunca tivemos conflitos diretos com ninguém. Isso é uma coisa positiva. Tem sido bom. Acho que em qualquer cena haverá pessoas que são bastante abertas ao diferente e outras que não são.

CDOROCK - Nunca aconteceu algo de estranho?

MARTIN - Até agora, não tivemos nenhum problema! Repito: se uma pessoa realmente não gosta do que fazemos, provavelmente ele ou ela nem vai querer chegar muito perto de nós. Então... problemas, até agora, não aconteceram.

CDOROCK - Você tem uma postura ativista desde o Los Crudos, uma banda que não era queer. Como foi, pra você, assumir uma postura anti-homofóbica naquela época e diante daquele público?

MARTIN - Quando eu me assumi pela primeira vez – melhor dizendo, quando eu estava no Los Crudos e comecei a me sentir mais confortável com a ideia de sair do armário, eu estava bastante assustado e meio nervoso. Eu me assumi gay em várias cidades, mas deixei Chicago, onde eu morava, por último. Nas outras cidades, eu sabia que poderia ir embora sem ter que lidar com as [reações das] pessoas, mas em Chicago... eu teria que permanecer lá e lidar com todo mundo. 

Foi então que comecei a ter meus primeiros enfrentamentos com as pessoas. Tipo aquelas que me diziam “ah, eu gosto do Los Crudos, mas não gosto quando eles vêm com aquele papo sobre viados”. Esse foi o tipo de reação que algumas pessoas tiveram, no começo. Outras, porém, subiam no palco, me abraçavam, diziam que me amavam e tudo o mais... Então, eu tive esses enfrentamentos. Agora, tô pouco me fodendo. Tipo, eu sou quem eu sou. Acho que as pessoas têm essa falsa ideia de que, só porque alguém tem uma sexualidade diferente da sua, ou escolhas diferentes, elas acham que [os diferentes] vão querer influenciá-las, e não tem nada disso. Você faz suas coisas do seu jeito, o outro faz as coisas dele do jeito dele, eu faço minhas coisas do meu jeito. E mesmo no nosso próprio mundo [gay], há diferenças, então, se alguém tem problema com isso, que seja.

Eu me lembro de um cara que disse “eu gostava dos Los Crudos, mas não gosto mais porque o Martin é gay”. Na verdade, ele jamais gostou mesmo do Los Crudos, nunca nos entendeu. Um de nossos álbuns era “Canciones para Liberar Nuestras Fronteras”. Estávamos falando de fronteiras na mente, barreiras físicas, barreiras mentais. Se a pessoa não entendeu isso, não entendeu nada, percebe?

CDOROCK - Você acha que a discriminação que sofreu está relacionada ao estereótipo do chicano/latino, que tem a obrigação de ser “macho”?

MARTIN - Talvez, sim... Talvez haja um pouco disso. É algo que com certeza existe. Acho que é um trabalho a ser feito dentro dessa comunidade. Sabe, nós temos de tudo. Na cultura latina ou chicana [termo politicamente incorreto usado para descrever os mexicanos e descendentes, e por extensão demais latino-americanos, que vivem nos Estados Unidos], temos... somos de tudo um pouco. Há gays, héteros, tudo. [Desconstruir esses estereótipos] é parte do trabalho que o Limp Wrist tem a fazer, também, como banda.


CDOROCK -Como você percebe o espaço dado aos homossexuais na América governada por Barack Obama?

MARTIN - Tem havido uma pressão bastante grande contra os homossexuais. Obama tem seus próprios planos, e os gays que existem no cenário político mais amplo estão meio dispersos. Há uma grande pressão dos conservadores e religiosos contra o casamento gay e vários grupos extremistas que estão contra essa comunidade.

Por outro lado, há uma visibilidade gay e queer como nunca se viu antes. Eu sou professor num colégio. Há grupos gays nas escolas, [ajudando] os adolescentes. Quando eu estava no ginásio, nunca, jamais, de jeito nenhum isso existia, não que eu tenha ficado sabendo. Então, as coisas estão mudando, nos Estados Unidos. Você pode ir para outras cidades, outros estados, e eles têm grupos de apoio aos pais de homossexuais e grupos de apoio aos jovens homossexuais. Muita coisa tomou um rumo mais positivo, em geral, no movimento gay. Há muitos grupos de pais e amigos de homossexuais, paradas gay em todo tipo de cidade, até em cidades pequenas... Mas ainda há muito medo, também, porque, fora das cidades grandes, as coisas podem ficar um pouco complicadas.

CDOROCK - Você conhece alguma coisa do rock brasileiro?

MARTIN - Rock brasileiro? Tipo, punk brasileiro, ou rock? Eu adoro punk brasileiro! Não sei muita coisa do rock mainstream – o que eu gosto é do mundo punk. Eu tenho muitos, muitos álbuns do Brasil. Sempre fui um fã.

CDOROCK - De quais bandas?

MARTIN - Vejamos... Cólera, Ratos de Porão, Olho Seco, Inocentes, Psychic Possessor, Câmbio Negro, Grinders, Mercenárias... São tantas, tantas bandas brasileiras que eu adoro! Como eu disse, gosto de tudo o que faz parte do mundo punk.

CDOROCK - Você tem algum ídolo queer?

MARTIN - [Pausa] Ídolo Queer? Uma pessoa que me vem à mente é Sylvia Rivera. Ela foi uma transexual que participou dos tumultos em Nova York – os tumultos no Stonewall [bar em que ocorreram, em 1969, confrontos com a polícia, dando origem ao movimento gay americano]. Ela era porto-riquenha, e realmente tinha meu respeito. 

Há muitas pessoas. Leslie Feinberg, autora lésbica que escreveu “Stone Butch Blues” [sem tradução no Brasil]. Gary Floyd, do The Dicks. Acho ele uma pessoa excelente. Adoro o que ele fez, assim como adoro o que muitos queer punks de gerações passadas fizeram. 

Há também pessoas que não são exatamente famosas, que eu encontrei e achei realmente legais. Silvia Malagrino, [argentina, moradora] do Uruguai, por exemplo. Ela é uma ativista que fez vários trabalhos legais por lá. Eu a conheci, trocamos ideias por algum tempo e eu a achei realmente decente. Enfim, são muitas pessoas. Muitas.


CDOROCK - Quais bandas queercore você recomendaria, hoje?

MARTIN - Sabe, o fato é que não há muitas bandas completamente queercore, ou que se identifiquem como queercore. Pode ser que haja bandas com membros queer, e são tantas... Com relação a bandas novas, há uma chamada Livid, de San Francisco. Eles são muito bons. Há uma outra de San Francisco, um pouco mais pop – Brilliant Colors, é esse o nome deles. São bem legais e têm membros gays. Não consigo pensar em nenhuma outra, agora... Essas são as que mais me chamam a atenção. No momento.


CDOROCK - Nosso blog costuma falar dos caras mais bonitos do rock. Quem você considera bonito?

MARTIN - Na cena queercore? Em geral? O ruim é que há muitas bandas por aí que são tipo “bonitinhas” e “meigas” e isso não faz meu estilo... Eu gosto de caras estilo “classe operária”, sabe? [risos] Gosto dos tíos. Eu chamo de tíos, em espanhol, o que vocês chamariam de “tiozinhos”. [risos] Gosto de homens com bastante pelos... Não necessariamente ursos, mas... [aponta para o fotógrafo Leco Vilela] acho que ele é bonito. [risos] Ele é bem bonitão. Eu o vi mais cedo e pensei comigo, “uau, esse cara é bem gato”, sabe? É um tipo que eu vejo bastante por aqui, que me faz dizer “essa pessoa é realmente atraente”. E eu tenho visto vários caras interessantes no Brasil... Acho bom!

CDOROCK - Com quem você jamais transaria?

MARTIN - David Bowie. [risos] Eu acho ele ótimo, mas não sinto a menor atração. Ele é um músico e um artista fenomenal, mas eu jamais transaria com ele...


Fotos: Leco Vilela [1-13] e Celso Tavares [14-20]
Fotos do show realizadas no Centro Cultural da Juventude (CCJ) em São Paulo. Entrevista e fotos da entrevista realizadas no DCE Curitiba, durante o evento Verdurada.

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