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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

ZELIMKHAN BAKAEV

Quando se é contra que escolas abordem a sexualidade, a identidade de gênero, o respeito e a tolerância, o que acontece é a morte. Quando se retira a menção à orientação sexual das leis contra discriminação, o que acontece é a morte. Quando se permite que religiosos tragam suas verdades distorcidas para o campo da política, o que acontece é a morte. Quando somos favoráveis à censura às expressões artísticas, o que acontece é a morte. Morte, morte, morte. Temos sangue nas mãos quando não superamos nossos preconceitos. Temos sangue nas mãos pela morte de Zelimkhan Bakaev.


Ele tinha 25 anos e ganhou popularidade num programa de talentos. Nasceu em Grozny, na Chechênia, país da Federação Russa. Começou a cantar ainda bem jovem, participou do grupo de dança e música Stolitsa, quando se tornou mais conhecido, principalmente nos países da Rússia. Como cantor, canções como “Мичахь хьо лела безам”, “Доьхна Дог”, “Нана” estavam construindo sua carreira.




Trajetória que foi interrompida pelas leis e cultura antigay daquela região. Há algum tempo, a Rússia tem estimulado o ódio e a perseguição a homossexuais e qualquer ato que seja considerado como “propaganda gay” é agressivamente censurado. Nem Madonna escapou quando esteve em turnê naquele país, ameaçada de processo.

Zelimkhan não era assumido publicamente. A denúncia que agora é feita é que ele foi preso por “suspeita” de ser homossexual. Foi torturado e assassinado por policiais chechenos. Passou semanas desaparecido e só agora sua situação é revelada. Seus rastros foram apagados das redes sociais – perfis apagados do instagram, twitter –, restando apenas um vídeo gravado supostamente na Alemanha em que o cantor dizia que tinha abandonado a Chechênia por ali só haver “cuzões”. O vídeo é considerado uma fraude.

Bakaev (Зелимхан Бакаев, na sua língua nativa) não cantava em inglês. Era cidadão de um país cuja independência nem é reconhecida pelo resto do mundo, estava em início de carreira, portanto sua projeção internacional era ínfima. Sua morte mal está sendo divulgada – talvez o maior veículo de imprensa a noticiá-la tenha sido a revista Attitude britânica. Ele não será símbolo de nada, mas é importante que saibamos de sua existência e lutemos. Um onda de ódio e repressão toma conta de vários países do mundo. O inimigo está no poder.


quarta-feira, 23 de novembro de 2016

VICENTE JR.


Ele já apareceu por aqui, mas agora volta para um bate-papo inédito, contando as novidades da sua banda, a metaleira Optical Faze, de Brasília, na qual é baixista. Lindo, barbudo, grande e peludo, Vicente conta como é sua relação com a banda e como sobrevive, como profissional da música e como homem gay, dentro da cena roqueira. Aproveita e fala do novo álbum, que sairá por meio de financiamento coletivo (informações neste link). Confere só:

CDOROCK: Há algo de diferente em ser gay numa banda de metal?

VICENTE: Sim. Há algo muito diferente. Ao invés de groupies meninas, são groupies meninos, e eu acho ótimo. [Risos]

CDOROCK: Você sente preconceito no meio musical em que circula?

VICENTE: Particularmente eu não sinto, até porque minha vida pessoal só diz respeito a mim mesmo. Creio que eu não sofra por não ser estereotipado. Muitas vezes eu falo que sou gay e as pessoas não acreditam, acham que eu estou fazendo piada, enfim... Mas rola sim. Já ouvi muitos caras falando sobre bandas de "viadinhos" ou de "vagabundas" que é como grande parte dos homens se refere aos homossexuais e mulheres. Preconceito infelizmente existe em todos os lugares e meios. O que nos resta é lutar para que isso acabe não compactuando com esses comentários inúteis ou dando bola para esse tipo de gente babaca. Acho que o preconceito é inerente. Gente babaca tem aos montes e em tudo que é lugar.


CDOROCK: O que pensa sobre algumas opiniões de que o metal seria a vertente mais conservadora do rock?

VICENTE: Pode até ter sido algumas décadas atrás, mas nos dias atuais não mais. Hoje temos bandas com integrantes transexuais (Life of Agony, Against Me!, entre outras) que estão a toda no mercado musical. Temos diversas outras bandas que brincam com rótulos e estereótipos (Turbonegro), gêneros, e a sexualidade de uma forma geral e totalmente abrangente. Acho lindo ver isso sendo mostrado na cara da "societatchy" como uma voadora com os dois pés. É tudo normal, gente, vamos parar um pouco com tanto "mimimi" e viver mais feliz. Olhar o próximo como um ser humano independente de suas escolhas pessoais. Cada um escolhe o que acha melhor para si e é isso ai. Sejamos felizes, amigxs.


CDOROCK: Músicos como Paul Masvidal, da Cynic, já disseram ter sido hostilizados pela plateia após assumirem a homossexualidade. Diante desse cenário, que importância você dá a representatividade gay no metal?

VICENTE: Eu nunca enfrentei esse tipo de situação, mas deve ser uma merda para o artista passar por esse tipo de babaquice. Até porque a sexualidade da pessoa não influi em nada no trabalho. 


Você citou um dos caras que marcam minha vida desde o Death. Além do Masvidal, tem também o seu companheiro de banda (Sean Reinert, que é um gato) e que demorou um pouco mais para sair do armário justamente por não aceitar os estereótipos gays (que para ele envolviam homens de vestido e regatas ultra safadas). Acho a galera do metal foda para caralho, porém super hipócritas e falso moralistas. Até porque os clichês do metal são totalmente estereotipados. Quando vejo o Rob Halford com todo aquele couro já me vem a cabeça a subversão de poder ser o que é, mas ter que aparentar ser outra pessoa. Onde quero chegar? Poxa, quem não sabia que ele era gay desde o princípio? Me poupe, né... Mesma coisa com a galera do Glam Metal. É muito bonito se apoderar das leggings de suas irmãs, os batons da "mamis", se maquiar mais que Elke Maravilha (RIP), cortar o cabelo tipo um poodle eletrocutado, e agir como uma mulher, mas nada de viadagem. Me poupe, né? Acho que a galera do metal tinha que ser o que é e ter orgulho disso. Achei foda pra caralho quando o Vini Castellari (Project 46) se assumiu.

Acho que é assim que tem que ser mesmo. Até pelo cunho e a luta que enfrentamos nesse segmento da música. Os questionamentos devem sempre permanecer, mas a aceitação é imediata. Basta querermos e não baixarmos a cabeça nunca.


CDOROCK: E o público da Optical Faze? Percebe se é mais conservador ou tolerante?

VICENTE: Percebo que nos dias atuais o mundo do metal (e nosso público) está mais tolerante sim, o que leva alguns integrantes de bandas grandes ou não a se assumirem sem muito "mimimi". Conheço uma galera que ainda não conseguiu "sair do armário", mas por problemas de aceitação pessoal. A galera pensa muito no que os outros vão pensar ou dizer ao invés de apenas dar um chute na porra da porta e ser feliz.


CDOROCK: Vocês estão para lançar o terceiro álbum por financiamento coletivo. Por que optaram por esse sistema?

VICENTE: Queríamos, primeiramente, lançar um disco à altura do The Pendulum Burns. A conjuntura econômica e pessoal na época da gravação dele permitiram que gravássemos nos EUA, com o Rhys Fulber, que é um grande produtor. Dessa vez, não conseguiríamos viajar e fazer um investimento grande assim do nosso bolso. Mas queríamos continuar a trabalhar com profissionais que admiramos e lançar algo no mesmo nível. O material novo merece isso. E também achamos que é uma boa oportunidade de nos aproximarmos de quem nos acompanha há algum tempo e alcançar mais pessoas.


CDOROCK: O financiamento também inclui uma ajuda a uma instituição protetora dos animais. Como surgiu essa ideia?

VICENTE: Queríamos achar um diferencial pro projeto. Algo que trouxesse atenção de pessoas fora do círculo metal. Todos da banda apoiam essa causa e sempre tiveram animais, muitos deles adotados. O Renato tem um gato ceguinho adotado, e o Jorge veio com a ideia do abrigo Flora e Fauna porque já costumava ajudá-los. Então, chegamos nessa solução. É um incentivo extra pra chegarmos à nossa meta e uma oportunidade pra ajudar uma causa bem bonita.


CDOROCK: Vocês informam que nunca receberam cachê nem vivem da música. Como então conseguem manter por tantos anos uma banda de metal?

VICENTE: Acho que dá pra contar nos dedos de uma mão as vezes que recebemos cachê. E o maior foi mil reais pra banda toda. Não é algo pra se orgulhar. Sempre fizemos tudo sozinhos, e talvez tenha faltado assessoria ou coisa assim. A verdade é que ainda temos a banda porque somos grandes amigos e, especialmente, porque amamos fazer música. Só por isso. É um hobby, mas um hobby que sempre levamos a sério. Do nosso jeito peculiar, mas levamos a sério. E temos uma química única. Ninguém na banda é exímio tecnicamente, mas conseguimos criar coisas especiais juntos e quem ouve reconhece isso. Com o tempo, tem ficado mais difícil manter a banda 100% ativa. Mas nossa vontade e nosso prazer por criar nossa arte sempre vence.


CDOROCK: O segundo álbum proporcionou a vocês uma experiência de gravação em Los Angeles. Como foi isso?

VICENTE: Na época, queríamos trabalhar com um produtor. Já fazia algum tempo que estávamos nos autoproduzindo e queríamos evoluir mais, ter novas experiências musicais. Na época, o dólar estava $ 1,40. Então, resolvemos mandar algumas demos pra produtores que gostamos pra ver se haveria interesse. O Rhys Fülber curtiu o que ouviu e se interessou em produzir e mixar no estúdio dele em LA. Rhys é um baita produtor, ajudou a criar gêneros musicais, inclusive. Foi difícil porque foi tudo com dinheiro do nosso bolso. Foi um esforço grande, mas valeu demais a pena. Não sei se teremos a oportunidade de fazer mais um disco dessa forma. Mas esperamos que sim.



CDOROCK: Que evoluções você apontaria no som da banda ao longo desses anos e álbuns?

VICENTE: Ah, mudamos demais. No início, éramos moleques de 13 a 18 anos entrando naquela onda do new metal. Melhoramos como músicos e compositores. Aprendemos aos poucos a trabalhar melodias e tempos mais complexos nas músicas de uma forma bem natural. A química que temos hoje se desenvolveu devagar. Ouvindo as demos antigas nós achamos elas terrivelmente toscas, mas temos orgulho daquele momento e de como evoluímos. Tanto que colocamos elas no nosso Bandcamp.


CDOROCK: E o que esperar do próximo álbum?

VICENTE: Vai ser completamente diferente do The Pendulum Burns. Não temos amarras com gravadora, empresários, não temos uma base de fãs de milhões de pessoas pra assustar... Temos que aproveitar essa liberdade. Essa tem sido nossa mentalidade. O disco está se desenhando mais lento, mais melódico, mais grave. Vai ser algo diferente e temos esperanças de que vai ser nosso melhor disco.

CDOROCK: O próximo álbum tem tudo para ser um sucesso. Será que vai ajudar a aumentar o número de mocinhos groupies?

VICENTE: A intenção não é essa, mas não seria ruim, né?! Quanto mais mocinhos groupies, melhor. [Risos]



Fotos: Vicente Jr., Thaís Mallon, Du Lopes, Jacqueline Sales, Labuta Produções, Pedro Ivan, Gui Sena, Dani Braga.


terça-feira, 28 de junho de 2016

J.D. SAMSON

O mundo já nasceu mudado, nós é que demoramos a dar conta. Os gêneros sempre foram fluidos, as sexualidades também. Tentamos nos aprisionar em convenções simbólicas, tivemos algumas tentativas de romper com essas convenções, muitas delas originando novas prisões, mas sempre, sempre houve, por toda a história, aqueles com a missão de nos alertar que somos mais do que dizemos ser e do que dizem que somos.

Na música, não é diferente. Só no rock já tivemos diversos exemplos de contestações de gênero e sexualidade e um dos melhores é J. D Samson, que ganhou fama como baterista da banda Le Tigre, ativista dos direitos das mulheres e da comunidade LGBT. E que agora também integra a banda MEN, desde 2007, outro projeto de ativismo e contestação.

J. D., que nasceu Jocelyn nos Estados Unidos, entrou para a Le Tigre em 2000, com a banda já formada, e sempre manteve um visual andrógino, sobretudo pelo bigode, que se tornou sua marca. Seu visual lhe rendeu muitos questionamentos sobre sua identidade de gênero, que nunca ficou clara para o público.

De fato, a questão não é simples. Como muita gente, a primeira conclusão de J. D. é de que seria lésbica e essa foi a primeira revelação que fez às pessoas, ainda aos 15 anos. Mais tarde, tentou se identificar com a comunidade transgênero, mas não sentiu que isso lhe bastava. Hoje, toma para si todos os pronomes, masculinos ou femininos.


Em entrevista ao site Gaynz, J. D. já disse: “Acho que as pessoas ficam confusas muitas vezes sobre eu me identificar como queer, lésbica, transgênero, ou se eu atendo por pronomes masculinos ou femininos. E para ser honesta, eu não me importo muito com a maneira que as pessoas pensam de mim. Mais do que qualquer coisa eu só quero que elas não se sintam frustradas pelo meu corpo ou minha existência. Eu não quero nada além de que elas se sintam confortáveis com meu ser. E espero que elas possam encontrar uma maneira de parar de tentar me classificar e me conhecerem apenas como um ser humano”.

Para as pessoas que não se rotulam, já existe o rótulo “não-binário”, que tenta definir as pessoas que não se definem pelos conceitos de masculino ou feminino. Contradições de nossa complexidade e necessidade de nos entendermos. J. D. é mais uma grande artista que veio para bagunçar a nossa cabeça e mexer com nosso coração.

E pensar que ela já se achou feio, e não sabia que seu visual poderia ser considerado sexy. É sim, sexy, e muito, querido J. D.! Tanto que você entrou para nosso rol de caralhíssimos, o que já tardava. A gente aqui até queria que você fosse uma porta para as mulheres nesta página, mas isto a gente vai continuar devendo :)

Fotos: Divulgação

sexta-feira, 27 de maio de 2016

THEO OLIVEIRA

Menino do Rio, Theo realmente provoca arrepios. Não só pela beleza, mas pela voz, que se encaixa tão bem à paisagem carioca, e também pela música, que transita por vários estilos, aspirando liberdade, seja pela banda de rock alternativo Ponto Vênus ou em trabalho solo, mais voltado à MPB. Liberdade que também buscou ao começar sua transição de gênero assim que possível e romper com as amarras que o limitavam. 

Theo agora enfeita nossa página para um bate-papo. Conheça um pouco mais desse grande homem que só está começando a conquistar nosso coração, com um EP solo de estreia recém-lançado.

CDOROCK - Como começou a sua relação com a música?

THEO - Olha, quando criança eu adorava ficar vendo meu tio tocar violão. Achava aquilo o máximo. Lembro que meu pai também tocava, apesar de ter tido pouco contato com ele na infância. Mas o que me fez mesmo querer viver de música foi um boom que tive ao assistir a um clipe do Nirvana (mais especificamente Smells Like Teen Spirit, apesar do clichê). Quando bati os olhos naquele cara gritando com uma guitarra puto da vida foi tipo: WOW, EU QUERO FAZER EXATAMENTE ISSO! Comecei a aprender canto e teclado aos 13, mas eu era tão tímido (e não existia apoio nisso) que desisti. Voltei a tentar violão aos 14/15 anos e não durmo sem ele (risos).

CDOROCK - O que mais curte tocar e o que podemos esperar do seu som?

THEO - Eu gosto de misturar... faço uma batida de bossa em escala de blues, punk com reggae etc. Prefiro pedir para que não esperem nada, nem eu sei bem o que esperar quando começo a compor! Dependo muito da fase em que me encontro, do famoso estado de espírito. 

CDOROCK - Você acabou de lançar seu primeiro EP, No Mar. Pode contar um pouco sobre esse trabalho?

THEO - Ele é o início de algo que venho pensando tem muito tempo. Eu sou um cara muito ligado à natureza, essas coisas de elementares e tudo o mais. Sempre tive vontade de dedicar parte da minha arte a ela. Comecei pela água. "No Mar" mostra um lado meu que nem eu conhecia, coisas bem leves e alguns pontos bem particulares. Estar no mar me acalma, mergulhar me refresca. Eu diria que é o resultado de algumas questões complicadas (e bem pessoais) que fui aprendendo a digerir. Sabe quando você se sente completamente perdido e só no mundo? Em algumas músicas eu tentei compor exatamente o que gostaria de ouvir quando me sentia assim. O EP começa com uma música que chamei de "A Mais Bonita" cujo refrão insiste em te dizer que a única certeza que temos é que o fim é certo, então pra que toda essa coisa, né? Vamos cantar com a vida! 


CDOROCK - Você fala nas suas redes que do reggae pode migrar ao blues. Pretende mesmo transitar entre diferentes estilos?

THEO - Então... confesso que não pretendo "regar" (ok, péssima piadinha) nenhum EP ou CD futuro. Meu grande lema em relação à música é ser livre. 

CDOROCK - Quais suas inspirações para escrever e compor?

THEO - Olha, tudo. Eu amo poesia, amo brincar com versos subliminares e ambiguidade. Eu já passei por muita coisa na vida, apesar de ser bem jovem. Amores perdidos, solidão, depressão, embriaguez, amizades mirabolantes, revolta com política e enfim... muita história pra contar. 

CDOROCK - Tem alguma canção que nos destacaria de seu EP?

THEO - Eu gosto de "Rosa" e "Bossa". 

CDOROCK - O Rio é conhecido por ser uma cidade bem despojada. Tem sido tranquilo apresentar-se como um homem trans em público, dentro e fora do palco?

THEO - É curioso que ser trans tem me aberto algumas portas, apesar de que eu ainda não consegui espaço em palco para me apresentar solo, parece um mundo bem fechado. A cena independente tem seus clubinhos da Luluzinha, se você não participa você tem que se lançar só. Isso independe de ser trans ou cis. Depende mais da sua disposição (e dinheiro) para investir em si mesmo.

CDOROCK - Quando decidiu começar o seu processo de transição?

THEO - Assim que pude começar: aos 18.


CDOROCK - Sofreu preconceito de amigos e familiares quando assumiu sua condição?

THEO - Perdi praticamente todos os meus amigos. Meus pais me apoiaram com uma certa dificuldade no início, mas paciência!

CDOROCK - E dentro da cena gay e lésbica, ainda vê preconceito contra pessoas trans?

THEO - Ainda tem gente ignorante independente do meio, né? Fazer o quê. Eu lembro de ter sofrido muito preconceito no início da transição nessa cena. Foi bem crítico. Sempre me dei melhor com gente bi (risos).


CDOROCK - Tem acompanhado os avanços e "desavanços" acerca do uso do nome social? Que pensa sobre isso e como é essa realidade no Rio?

THEO - Sim. Isso me deixou profundamente triste esses dias. Eu consegui em 2 anos mudar meu nome na identidade, mas conheço pessoas que ainda dependem do uso de nome social. Parece que foi só um decreto, então não cancelaram nada. Mas se tem decreto, não dá pra gente ficar esperando a morte da bezerra. Aqui no RJ existiu ou ainda existe um núcleo chamado NUDIVERSIS, que foi inclusive por onde comecei o processo de retificação... o problema é a burocracia.

CDOROCK - Muitos homens trans têm se tornado símbolos sexuais, e você tem muito potencial para isso. Vê algum problema na sexualização das pessoas trans?

THEO - Eita! Que lisonjeio, hahaha! O problema não tá na sexualização nem de cis nem de trans, o problema tá em quem vê e na forma que essa pessoa pensa sobre. Eu já fiz um gogo boy (de brincadeira viu? Eu não sei dançar nada!) numa festa na Casa Nem, aqui no RJ, e adorei todo mundo me olhando. Mexer com o ego é uma delícia! Agora se uma pessoa me vê como um pedaço de carne que só serve pra sexo o problema é dela! Eu não sou só trans, sabe? Eu sou gente também. 


CDOROCK - Alguns meninos trans evitam rótulos sobre a própria sexualidade. Com você é assim ou define mais precisamente sua orientação?

THEO - Eu sou o que eu quiser ser no momento. 

CDOROCK - Aqui nO Caralho, temos muitos símbolos sexuais. Você tem os seus? Quem são?

THEO - Eu gosto de modelos andróginos... Eleonora Bosé, Andrej Pejic, até a maravilhosa Léa T (que não se enquadra nesse tipo de moda, mas...).


CDOROCK - Para terminar, como temos acesso à sua música?

THEO - Está disponível para ouvir no youtube: EP "No Mar". E também disponibilizei gratuitamente para download no soundcloud. Além do meu site: http://kaiquetheo.wix.com/kaiquetheo e página do facebook. Para minha banda, tem a página do face: https://www.facebook.com/pontovenus.

Fotos: Theo Kaique e Rodrigo Menezes

sexta-feira, 25 de março de 2016

ANOHNI (ANTONY HEGARTY)

Um momento marcante da carreira de Anohni, até então mais conhecida como Antony Hegarty, é sua participação no filme francês Wild Side, de 2004, sobre uma transexual que precisa retornar à casa da mãe doente. Na curta cena, Anohni canta I Fell in Love with a Dead Boy em meio a outras transexuais, quase todas prostitutas das ruas de Paris. O timbre melancólico da cantora traduz a realidade daquelas mulheres, e de si mesma, e a letra da canção nos conduz a um estado de espírito semelhante, tanto pela tragédia emocional que retrata, a paixão por um garoto morto, como pelo questionamento de gênero em que culmina. Anohni canta e pergunta ao garoto da canção e logo a todas a sua volta: Are you a boy or a girl? E o olhar de todas nos diz como dói a pergunta.


Assim surge a cantora inglesa, também compositora e artista visual, com suas canções melancólicas, às vezes até mórbidas, em que amor e tragédia parecem indissociáveis, mas, sobretudo, em que o conflito da identidade de gênero é uma constante. Seu primeiro álbum é de 2000, dentro do projeto Antony and the Johnsons, com quatro trabalhos lançados. O mais popular, vencedor inclusive do Mercury Prize, premiação alternativa ao Brit Awards, mas de considerável prestígio, é o segundo, I Am a Bird Now (2005), cuja canção For Today I Am a Boy, é das mais expressivas a respeito de sua transexualidade.

Ahnoni sempre se mostrou uma artista extremamente sensível, com influências de Nina Simone a Diamanda Galás, e afinidade com diversos nomes da música pop que um dia já se colocaram em posição de questionamento de padrões heteronormativos, como o também inglês Boy George, com o qual gravou You Are My Sister. Suas canções, muitas ao piano, parecem ter a morte, o desamor e a baixa autoestima como temas constantes (Hope There's Someone e Cripple and the Starfish), cicatrizes talvez da condição de ter convivido com um corpo não condizente com sua verdadeira identidade. Sobre sua condição, já declarou: “Na minha vida pessoal, prefiro "ela". Eu penso que palavras são importantes. Chamar uma pessoa pelo gênero que ela escolheu é honrar seu espírito, sua vida e contribuição. "Ele" é um pronome invisível para mim, é algo que me nega.”

Melancolias que a tornaram uma das artistas mais ricas e profundas dos últimos anos, e uma das vozes mais belas. Seu talento no entanto a fortalece cada vez mais como mulher. Seu quinto álbum de estúdio, a ser lançado em maio de 2016, Hopelessness, é o primeiro sob a alcunha de Anohni, e dois singles já foram divulgados nas redes: Drone Bomb Me e 4 Degrees, que mostram mudanças no estilo da cantora, que agora também se abre mais a elementos da música eletrônica.

Este ano também, Anohni foi a primeira transexual a ser indicada a uma categoria do Oscar, defendendo a canção Manta Ray, do filme Racing Extinction. Como não foi convidada a cantar a canção durante a cerimônia, divulgou nas redes sociais que não compareceria à festa, dando a entender que sua imagem de transexual incomodava àquela indústria. A canção também não foi premiada, como muitos também já esperavam. Mas só quem perde de verdade são essas entidades arcaicas, que pouco ainda acrescentam à cultura da humanidade. Nós, que conhecemos Anohni, estamos com a vantagem.

Fotos: Divulgação

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