quarta-feira, 23 de novembro de 2016

VICENTE JR.


Ele já apareceu por aqui, mas agora volta para um bate-papo inédito, contando as novidades da sua banda, a metaleira Optical Faze, de Brasília, na qual é baixista. Lindo, barbudo, grande e peludo, Vicente conta como é sua relação com a banda e como sobrevive, como profissional da música e como homem gay, dentro da cena roqueira. Aproveita e fala do novo álbum, que sairá por meio de financiamento coletivo (informações neste link). Confere só:

CDOROCK: Há algo de diferente em ser gay numa banda de metal?

VICENTE: Sim. Há algo muito diferente. Ao invés de groupies meninas, são groupies meninos, e eu acho ótimo. [Risos]

CDOROCK: Você sente preconceito no meio musical em que circula?

VICENTE: Particularmente eu não sinto, até porque minha vida pessoal só diz respeito a mim mesmo. Creio que eu não sofra por não ser estereotipado. Muitas vezes eu falo que sou gay e as pessoas não acreditam, acham que eu estou fazendo piada, enfim... Mas rola sim. Já ouvi muitos caras falando sobre bandas de "viadinhos" ou de "vagabundas" que é como grande parte dos homens se refere aos homossexuais e mulheres. Preconceito infelizmente existe em todos os lugares e meios. O que nos resta é lutar para que isso acabe não compactuando com esses comentários inúteis ou dando bola para esse tipo de gente babaca. Acho que o preconceito é inerente. Gente babaca tem aos montes e em tudo que é lugar.


CDOROCK: O que pensa sobre algumas opiniões de que o metal seria a vertente mais conservadora do rock?

VICENTE: Pode até ter sido algumas décadas atrás, mas nos dias atuais não mais. Hoje temos bandas com integrantes transexuais (Life of Agony, Against Me!, entre outras) que estão a toda no mercado musical. Temos diversas outras bandas que brincam com rótulos e estereótipos (Turbonegro), gêneros, e a sexualidade de uma forma geral e totalmente abrangente. Acho lindo ver isso sendo mostrado na cara da "societatchy" como uma voadora com os dois pés. É tudo normal, gente, vamos parar um pouco com tanto "mimimi" e viver mais feliz. Olhar o próximo como um ser humano independente de suas escolhas pessoais. Cada um escolhe o que acha melhor para si e é isso ai. Sejamos felizes, amigxs.


CDOROCK: Músicos como Paul Masvidal, da Cynic, já disseram ter sido hostilizados pela plateia após assumirem a homossexualidade. Diante desse cenário, que importância você dá a representatividade gay no metal?

VICENTE: Eu nunca enfrentei esse tipo de situação, mas deve ser uma merda para o artista passar por esse tipo de babaquice. Até porque a sexualidade da pessoa não influi em nada no trabalho. 


Você citou um dos caras que marcam minha vida desde o Death. Além do Masvidal, tem também o seu companheiro de banda (Sean Reinert, que é um gato) e que demorou um pouco mais para sair do armário justamente por não aceitar os estereótipos gays (que para ele envolviam homens de vestido e regatas ultra safadas). Acho a galera do metal foda para caralho, porém super hipócritas e falso moralistas. Até porque os clichês do metal são totalmente estereotipados. Quando vejo o Rob Halford com todo aquele couro já me vem a cabeça a subversão de poder ser o que é, mas ter que aparentar ser outra pessoa. Onde quero chegar? Poxa, quem não sabia que ele era gay desde o princípio? Me poupe, né... Mesma coisa com a galera do Glam Metal. É muito bonito se apoderar das leggings de suas irmãs, os batons da "mamis", se maquiar mais que Elke Maravilha (RIP), cortar o cabelo tipo um poodle eletrocutado, e agir como uma mulher, mas nada de viadagem. Me poupe, né? Acho que a galera do metal tinha que ser o que é e ter orgulho disso. Achei foda pra caralho quando o Vini Castellari (Project 46) se assumiu.

Acho que é assim que tem que ser mesmo. Até pelo cunho e a luta que enfrentamos nesse segmento da música. Os questionamentos devem sempre permanecer, mas a aceitação é imediata. Basta querermos e não baixarmos a cabeça nunca.


CDOROCK: E o público da Optical Faze? Percebe se é mais conservador ou tolerante?

VICENTE: Percebo que nos dias atuais o mundo do metal (e nosso público) está mais tolerante sim, o que leva alguns integrantes de bandas grandes ou não a se assumirem sem muito "mimimi". Conheço uma galera que ainda não conseguiu "sair do armário", mas por problemas de aceitação pessoal. A galera pensa muito no que os outros vão pensar ou dizer ao invés de apenas dar um chute na porra da porta e ser feliz.


CDOROCK: Vocês estão para lançar o terceiro álbum por financiamento coletivo. Por que optaram por esse sistema?

VICENTE: Queríamos, primeiramente, lançar um disco à altura do The Pendulum Burns. A conjuntura econômica e pessoal na época da gravação dele permitiram que gravássemos nos EUA, com o Rhys Fulber, que é um grande produtor. Dessa vez, não conseguiríamos viajar e fazer um investimento grande assim do nosso bolso. Mas queríamos continuar a trabalhar com profissionais que admiramos e lançar algo no mesmo nível. O material novo merece isso. E também achamos que é uma boa oportunidade de nos aproximarmos de quem nos acompanha há algum tempo e alcançar mais pessoas.


CDOROCK: O financiamento também inclui uma ajuda a uma instituição protetora dos animais. Como surgiu essa ideia?

VICENTE: Queríamos achar um diferencial pro projeto. Algo que trouxesse atenção de pessoas fora do círculo metal. Todos da banda apoiam essa causa e sempre tiveram animais, muitos deles adotados. O Renato tem um gato ceguinho adotado, e o Jorge veio com a ideia do abrigo Flora e Fauna porque já costumava ajudá-los. Então, chegamos nessa solução. É um incentivo extra pra chegarmos à nossa meta e uma oportunidade pra ajudar uma causa bem bonita.


CDOROCK: Vocês informam que nunca receberam cachê nem vivem da música. Como então conseguem manter por tantos anos uma banda de metal?

VICENTE: Acho que dá pra contar nos dedos de uma mão as vezes que recebemos cachê. E o maior foi mil reais pra banda toda. Não é algo pra se orgulhar. Sempre fizemos tudo sozinhos, e talvez tenha faltado assessoria ou coisa assim. A verdade é que ainda temos a banda porque somos grandes amigos e, especialmente, porque amamos fazer música. Só por isso. É um hobby, mas um hobby que sempre levamos a sério. Do nosso jeito peculiar, mas levamos a sério. E temos uma química única. Ninguém na banda é exímio tecnicamente, mas conseguimos criar coisas especiais juntos e quem ouve reconhece isso. Com o tempo, tem ficado mais difícil manter a banda 100% ativa. Mas nossa vontade e nosso prazer por criar nossa arte sempre vence.


CDOROCK: O segundo álbum proporcionou a vocês uma experiência de gravação em Los Angeles. Como foi isso?

VICENTE: Na época, queríamos trabalhar com um produtor. Já fazia algum tempo que estávamos nos autoproduzindo e queríamos evoluir mais, ter novas experiências musicais. Na época, o dólar estava $ 1,40. Então, resolvemos mandar algumas demos pra produtores que gostamos pra ver se haveria interesse. O Rhys Fülber curtiu o que ouviu e se interessou em produzir e mixar no estúdio dele em LA. Rhys é um baita produtor, ajudou a criar gêneros musicais, inclusive. Foi difícil porque foi tudo com dinheiro do nosso bolso. Foi um esforço grande, mas valeu demais a pena. Não sei se teremos a oportunidade de fazer mais um disco dessa forma. Mas esperamos que sim.



CDOROCK: Que evoluções você apontaria no som da banda ao longo desses anos e álbuns?

VICENTE: Ah, mudamos demais. No início, éramos moleques de 13 a 18 anos entrando naquela onda do new metal. Melhoramos como músicos e compositores. Aprendemos aos poucos a trabalhar melodias e tempos mais complexos nas músicas de uma forma bem natural. A química que temos hoje se desenvolveu devagar. Ouvindo as demos antigas nós achamos elas terrivelmente toscas, mas temos orgulho daquele momento e de como evoluímos. Tanto que colocamos elas no nosso Bandcamp.


CDOROCK: E o que esperar do próximo álbum?

VICENTE: Vai ser completamente diferente do The Pendulum Burns. Não temos amarras com gravadora, empresários, não temos uma base de fãs de milhões de pessoas pra assustar... Temos que aproveitar essa liberdade. Essa tem sido nossa mentalidade. O disco está se desenhando mais lento, mais melódico, mais grave. Vai ser algo diferente e temos esperanças de que vai ser nosso melhor disco.

CDOROCK: O próximo álbum tem tudo para ser um sucesso. Será que vai ajudar a aumentar o número de mocinhos groupies?

VICENTE: A intenção não é essa, mas não seria ruim, né?! Quanto mais mocinhos groupies, melhor. [Risos]



Fotos: Vicente Jr., Thaís Mallon, Du Lopes, Jacqueline Sales, Labuta Produções, Pedro Ivan, Gui Sena, Dani Braga.


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