sábado, 3 de agosto de 2013

JAMES HETFIELD - 50 ANOS

Ele foi o primeiro caralhíssimo. E o preferido. Desde a "tenra adolescência" tenho uma "atração" especial por ele. Agora ele faz 50 anos de idade e uns 32 de carreira. James respondeu a um anúncio de jornal em 1981 e assim o Metallica se formou. Eu poderia discorrer sobre muitas coisas de sua carreira que ficaram de fora da primeira postagem: a obra a partir de St. Anger (2003), que nos deu esse James maduro e tatuado, retomando o peso e a velocidade deixada um pouco de lado na era Load (1996). Ou bancar o saudosista old school e mencionar como o Metallica de Kill'em All (1983) influenciou tudo o que veio depois. Ou ainda como o Metallica, sonoridades e públicos diversos depois, ainda é uma das bandas que mais lotam estádios pelo mundo.

Mas decidi ser um pouco mais ousado e publicar um conto erótico inspirado em sua pessoa. Sim, meus caros, não se apavorem. Este pequeno blogueiro às vezes gosta de rabiscar uns rascunhos e outro dia resolveu imaginar uma vida paralela para o metaleiro. Texto um tanto longo, que permite muitas fotos pelo caminho. A "viagem" pode assustar um pouco, parecer mais trágica que erótica ou romântica, mas... quem sabe vale os minutos?


Nada mais importa

"Na primeira vez que contemplei os hematomas pelo espelho tive certeza do amor que sentia. E do desejo que sentia. Perto dos olhos, da boca, no pescoço, braços... marcas de uma raiva, uma fúria, justificada, consentida. De um ciúme tão cego quanto construído para encobrir os olhos miúdos, os reflexos falhos, o cheiro, o bafo. A ligação de um amigo, um ex-namorado, caso antigo, hoje talvez só um bom conhecido. Ou de um desagrado com o clima, uma canção, uma cor. Um simples motivo. E aquele monstro de quase um metro e noventa e noventa quilos em cima de mim, e braços e punhos, e chutes. Palavras de ordem: nunca, saiba, veja, fala, não faça, cala. Eu tive muita dor, e raiva. À noite, uma desculpa seca, um achegamento, uma exigência, todo o seu peso de novo em cima de mim, desconsiderando a minha falta de tamanho, meu desconforto, o tempo que eu precisava. Ele, de novo, socava.

Só quando me olhei no espelho e vi as marcas que ele tinha deixado, e ao fundo seu corpo estirado, e as duas coisas juntas, me dei conta de quanto o amava. E quanto queria aquele corpo de monstro nu que ocupava inteira aquela cama que não era minha, nem dele, mas nossa.

Eu entendia seu alcoolismo, a dificuldade que teve para enfrentar os amigos, a família, a mulher, um séquito de admiradores; ele, um homem público, músico de destaque, ícone da virilidade, o sacrifício de olhar na cara de todos e afirmar feliz que tinha se encontrado, que tinha me encontrado, que era comigo que ficaria, que tudo havia mudado, opiniões, valores, crenças, posturas, que ele mudaria de cidade, de vida, pra ficar melhor, mais à vontade, relaxado, sem precisar explicar, provar, sem precisar entender, preterir, que ele só queria ser. Somos.

Eu entendia sua solidão, o rasgo da rejeição, a tortura de se pensar a cada dia como um homem diferente, que passou mais de quarenta e cinco anos sendo tudo o que gostaria de ser, e respeitado, e vencedor, e hoje só mais um achincalho, sem um amigo do passado, um irmão, um pai, um padre, hoje só mais uma galhofa, um cretino, um crime, um desperdício, um palhaço. Um viado. Eu sabia que doía.

Mas nós dois escolhemos. Ele também decidiu que me amava, e que seria para mim mais que um homem, um amante, um caso, que entraria na minha vida para ser o que até então eu não pensava que outro homem seria: a minha família. Foi numa noite besta na sacada que me trouxe um buquê de flores laranjas e me pediu para toda a sua vida. Eu tive medo, e ainda me acostumo.

É estranho você escolher a sua família. Você olhar para alguém, que segura sua mão a sua frente, que olha nos seus olhos, alguém que outro dia nem existia, que agora se espalha pela sala, pelo sofá, pelo banheiro, que demora no banho, escova os dentes com a torneira aberta, que esquece os sapatos em qualquer canto, que joga as meias, a toalha, que existe na cozinha só de cueca, e rasgada, é pavoroso você olhar para um homem qualquer, porque é isso o que ele é, um homem qualquer, de um lugar qualquer, com um nome qualquer, é de gelar a espinha você olhar para esse homem e você dizer, não ele, mas você dizer, e porque quer, que ele é a sua família. Foi o que fiz.

Prometemos. Sabíamos que seria difícil, mas nos olhávamos e queríamos muito que o que somos fosse para sempre, mesmo que não fosse, mesmo que falhássemos, mesmo que nos equivocássemos, prometemos que um seria sempre a vida do outro.

Mas a renúncia ardia. E a bebida que nunca o deixou era toda a sua intimidade. O vício e o ciúme, outro vício. O medo de perder aquilo que o fez perder tudo embriagava seus olhos e enlouquecia, e me perdia. E assim não era rara uma implicância, uma cobrança, muitas exigências, restrições, repressões, assim não era difícil uma agressão. Eu creio que tudo isto o tornava o grande macho alfa do meu desejo, era estranhamente bom me submeter a sua violência, a suas vontades, mesmo que injustas, que fruto de fraqueza, covardia, do amor com ensandecido pavor de perda e de morte. Ele chegava com a alma partida, ele me amava como quem me estrangula.

Quase sempre eu o contemplava depois, e admirava seu corpo folgado, espalhado na minha vida. Olhava as marcas do meu corpo e pensava se era o máximo que me marcaria, se seriam aqueles os rastros que me deixaria após o inevitável abandono. Porque nós nos perdíamos a cada cicatriz, a cada gole, a cada silêncio, consentimento, cada vez que deixávamos o medo tomar conta, a covardia se aproximar, cada vez que nos submetíamos ao ódio dos outros, à opinião dos outros, cada vez que os outros infestavam a nossa casa e a nossa cama morríamos um pouco. Mas ele amava a sua vítima. Eu amava meu assassino.

E tive de amar ainda mais o meu monstro, meu algoz, meu cúmplice e amante quando ele invadiu a nossa casa, como o estranho que ele era, trazendo nos braços seu filho com uma mulher.

Improvável, inóspito, fantástico, e até mórbido. Uma criança abandonada em nossa sala, chorando, passava fome, talvez frio. Tinha pai e tinha mãe! Foi uma qualquer, uma noite dessas, faz muito tempo, ele não se lembrava. Mas ela sim. E planejou nove meses o descarte. Um porre, uma revolta, uma ressaca. Ela não poderia criar, razões inaudíveis e desimportantes. Ela não queria nem saber, não dá, nunca mais, é todo seu e amém. Minhas costelas doíam ainda quando ele me pediu que segurasse o menino, e visse e notasse, e reconhecesse... ele ou a oportunidade. Recusei, e me distanciei como quem desvia do caminho bom, da escolha acertada, da própria felicidade.

Meu monstro tinha os olhos vermelhos, e em pânico se perdia em fatos, verdades, histórias, contornava desculpas para evitar que eu fugisse, acabasse, morresse de vez.

A criança, ali, descansava como se a casa fosse dela, como se a família fosse dela. Um menino ainda sem nome, de pouco mais de um mês, ao lado do pai, e da vítima do pai. O homem que suspirava fundo com os olhos em chamas a me pedir, implorar que assumisse, adotasse, amasse. Porque era provável que ele não aguentasse, e me perdesse, e desistisse de ser tudo o que conquistou comigo. Algo pesaria mais tarde, mais cedo. As conveniências, o passado, a ex-mulher, a mãe, a carreira, todas as impossibilidades. A bebida. E outras drogas, nós sabíamos bem. E cada cicatriz, ferida, hematoma, cada corte aberto, tudo seria demais, para nunca mais, quando chegasse a hora, eu sei, ele também sabia. Por isso um filho. E dele, legitimamente, que ele cuidaria, assumiria também, mas que ficaria comigo quando fosse o tempo, para que tivéssemos um “para sempre” entre nós. Crescendo, correndo, sorrindo. Fazendo valer a pena. Nosso amor envelhecendo conosco, ainda que não nos amássemos mais.

É sempre estranho escolher a própria família. O bebê, filho do meu monstro, algum tipo de monstro também, e cada marca roxa em minha pele, cada batida mais acelerada do meu peito, cada falta de ar, cada vertigem, e ele. Dono e culpado de tudo que escorre pelas minhas coxas. Olhando-o como minha última esperança, eu queria. Tinha feito a minha escolha há muito tempo. Um seria sempre a vida do outro. Aceitei. O filho, as marcas. Aceitei.

Um vínculo. Mesmo antes de nos conhecermos, eu já ciente do que ele me causava, eu queria. Quando fomos apresentados, ou quando num gole a mais de cerveja durante uma conversa de recentes grandes amigos, eu sugeri que ele experimentasse o beijo de outro homem, comigo, por que não?, ou quando ele pediu que eu o tocasse sobre as calças, ou quando veio o escândalo do divórcio, mulher louca, obcecada, a esbravejar todo ódio e preconceito de gerações, ou quando ele perguntou se eu o ajudaria a aguentar a barra, o massacre midiático, a derrocada do grande ídolo do rock pesado, ou quando ele me pediu desculpas pela primeira embriaguez, pelo primeiro tapa, ou quando timidamente quis saber se machucava e pediu permissão para penetrar, e mais fundo e mais forte, como um adolescente envergonhado pede a uma prostituta. Ah, ou quando ele me trouxe as flores, de camisa e terno pretos, e botas de cavaleiro, um olhar infantil e malicioso, e um tanto cruel, a me pedir para segurar sua mão e fugir para a terra do nunca: nós quisemos. Um vínculo eterno.

Cavalgamos sobre relâmpagos. Meu filho invadiria a casa sujo, ganharia toda vez o espaço que sempre foi seu, e me olharia por todos os motivos, molecote, com seus olhos azuis, arrogantes como os do pai. Seria um adolescente birrento, briguento, a me afrontar porque o pai lhe deixaria fazer coisas que eu nunca permiti. Um rapaz forte e corajoso que aguentaria todas as barras. Um grande homem, como o pai nos melhores dias. Antes de mim, depois dele. A me deixar marcas tão profundas quanto as que aprendi a esconder. Cada gesto e palavra, de fúria e afeto, cada brilho nos olhos, de filho e amigo, de lobo e de homem, a me mostrar quem ele é, e tudo que representa. A me presentear com as rápidas visitas e cumprimentos do anti-herói da minha vida, toda vez quando viesse buscá-lo. Uma dor funda, chute no estômago, amor imperdoável, um elo... familiar. Tão próximos, não importa o quanto distantes."

[autor: Fábio Justino. Texto sob licença Creative Commons. A reprodução precisa citar a autoria.]

Capa do cd The Naked Truth, de 1992, com uma entrevista de James para o baterista Lars. 

Some rights reserved