terça-feira, 1 de novembro de 2011

JUNINHO SANGIORGIO [PARTE 1]

Há quase dez anos ele assumiu o baixo de uma das bandas mais populares e importantes do punk brasileiro, o Ratos de Porão, que comemora 30 anos de existência. Passou por diversas outras bandas, ajudando a escrever a história da nossa cena independente: Point Of No Return, das primeiras por aqui a promover o metalcore e a filosofia straight edge, além da também tradicional Discarga, a recente e alternativa Eu Serei A Hiena e a hardcore O Inimigo, que completa sua primeira década de carreira.

Juninho é o entrevistado da vez, numa conversa que será dividida em duas partes. Aqui ele fala da primeira banda, das mudanças de som, da cena internacional, e da possibilidade de um integrante homossexual numa de suas bandas. E isto é só o começo. Depois, pura surpresa. Aguardem!

CDOROCK - Qual foi a sua primeira banda?

JUNINHO - A primeira banda que eu tive chamava Cabeças de Panetone, com amigos de quando eu era bem moleque. Tenho contato com alguns deles até hoje. E, por coincidência, o primeiro show da banda foi aqui na rua 13 de maio também [local do Dynamite Pub, onde a entrevista foi feita], num bar que tinha aqui pertinho, no PC Bar, que era do Partido Comunista. Os caras chegaram: “Vamos fazer um show ali e tal”, e juntou umas outras bandas da época. Nem lembro se tinha amplificador, o que tinha, a gente chegou e tocou, sabe? Eu era bem novo... E depois disso fui tocando em várias bandas. E logo depois desse meu início tive muito interesse por hardcore, punk rock, conheci o pessoal straight edge, que tinha uma cena legal já aqui em São Paulo, então me envolvi com essa galera e comecei a ter banda com esse pessoal.

CDOROCK - Qual era o som dela?

JUNINHO - Essa primeira banda que eu tive já era de hardcore, de punk rock. Tinha como influência Misfits, Ramones, Sex Pistols, e algumas bandas de hardcore, Gorilla Biscuits, Minor Threat, e eu já comecei a ouvir Circle Jerks, MDC, que são essas bandas clássicas dos anos 80. E a gente já cantava em português e tal.


CDOROCK - Tanto o Ratos quanto o Discarga têm uma carreira bem longa. Qual o segredo para manter uma banda independente por tanto tempo?

JUNINHO - Bom, o Ratos eu peguei mais do que o bonde andando. A banda tá comemorando 30 anos em 2011 e eu tô na banda há 8 anos só. Já é bastante tempo, mas não perto da história da banda. Quando entrei no Ratos eles já tinham um ritmo de como fazer os shows, de como trabalhar, de gravação, de ensaio, então eu meio que acompanhei o jeito deles, não tive muito como alterar isso daí. Mas com o Discarga, que é a banda em que eu toco há mais tempo, a gente se mantém sempre o mais simples possível, não fica achando muito que tem que evoluir, melhorar, crescer, isso a gente não pensa. A gente acha que a gente tem que tocar, fazer as coisas que a gente acredita, que a gente gosta, naturalmente. Tem um show que é bem simples, num lugar que é pequeno, não tem equipamento? A gente faz. Tem outro com mais estrutura, a gente faz também. Tem um que tem dinheiro, a gente faz, tem um que não tem, a gente faz também. Então a gente mantém um padrão simples e dessa forma a quantidade de shows em que a gente já tocou foi grande, turnês no nordeste, lá no sul, muitas cidades do interior, já fizemos shows fora do país, já fizemos três turnês na Europa, tudo nesse esquema, pagando a passagem do bolso. Chegando lá, recuperamos a passagem vendendo camiseta, vendendo disco, cd, e trabalhando dessa forma sempre deu muito certo, assim indepedente, e acho que ficar subindo muito a cabeça é meio viagem, sabe? Quem acaba pensando assim não vai longe, porque não é uma realidade da música independente. Então quem pensa muito dessa forma acaba se dando mal... é um erro pensar assim.

CDOROCK - Suas bandas tocam por diversos países. Como acontece de uma banda fora do meio comercial conseguir espaço para tocar e se divulgar fora do país?

JUNINHO - Ninguém tem noção do tamanho que a cena independente de punk e hardcore tem no mundo inteiro. Se você entrar em contato com um cara da Indonésia, é fácil de você marcar um show lá. Porque do mesmo jeito que tem a gente pensando, fazendo as coisas, com banda aqui no Brasil, tem gente da mesma forma no Chile, no Canadá, na Indonésia, na Malásia, na Austrália, no Japão, então é questão de arriscar. Falar: “Meu, vamos fazer uma turnê no leste europeu? Tocar na Rússia, ir lá pra Escandinávia?” Você acha pessoas que pensam igual a gente lá também: “Ó, a gente é Discarga aqui do Brasil e tá a fim de fazer uns shows aí”. Daí o cara fala “Ah, tá, vamos marcar um show num clube aqui, o dinheiro todo da entrada a gente dá pra vocês...”, aí você vai marcando um, marcando outro, quando vai ver você já tem uma turnê de 40 shows marcados, e com esse pouquinho em pouquinho de cada show você vai se mantendo, consegue pagar o equipamento que você alugou, uma van, ou consegue recuperar dinheiro da passagem. Então existe uma cena independente enorme no mundo inteiro, muito fora do lance do mainstream, do lance da grana, do patrocínio, dessas coisas, e funciona muito legal, tem muita gente muito legal fazendo muita coisa boa por aí, várias casas de show, ou mesmo galpões, pubs, casas de amigos que moram juntos e onde tem um espaço pra fazer show; então viajando você vai conhecendo esse pessoal, entrando nesse meio você conhece muita coisa interessante. 


CDOROCK - E como era esse contato nos tempos sem internet?

JUNINHO - No comecinho ali, em 1995, 1996, não tinha tanto ainda a coisa da internet. Eu tinha banda, fazia shows nessa época, a gente fazia mala direta de cartaz, porque as pessoas deixavam o endereço nos shows. Eu peguei um pouco essa época aí, de divulgação total por cartaz na rua, lambe-lambe, flyers na Galeria [do Rock], e isso existe até hoje, porque é importante, a parte física é importante, muita gente vai na Galeria, numa loja e vê um cartaz do show e fala: “Olha esse show aqui, legal”. Aí na mesma loja tem o flyer, pega, guarda na carteira e vai no show, tem muita gente assim. Então acho importante manter isso daí, porque ainda funciona. Dizer que a internet hoje resolve 100%... Eu já não acho que é verdade. É muito legal você ver um cartaz bonito numa loja, um A3 colorido lá. E voltando a falar da experiência que eu tenho com o pessoal do Ratos, ou mesmo por conhecer um pessoal de bandas mais antigas, lembro do pessoal do Cólera, que fez uma turnê em 1987 na Europa. Eles marcaram coisas por telefone, falando com os caras lá, tirando alguma coisa por carta, aí viajaram pra lá, e quando chegaram não tinha todos os shows marcados, tinha alguns do começo e aí por telefone foi montando outros... Às vezes ficavam uns três, quatro dias sem shows, ou uma semana, era uma coisa bem estranha, difícil de imaginar hoje em dia... O pessoal do Ratos, que fez turnê em 1989 lá pela primeira vez, também conta umas coisas assim. Milhões de turnês dos anos 1970, dos anos 1980 foram feitas dessa forma.

CDOROCK - Eu Serei A Hiena tem uma proposta mais ousada, por ser principalmente instrumental e por ter vocalistas convidados. Como surgiu essa ideia e como tem sido a repercussão do público?

JUNINHO - No Eu Serei A Hiena a gente juntou uns caras que sempre tiveram banda e sempre tocaram juntos em outras bandas e sempre foram amigos de muito tempo. A ideia inicial era fazer um som tipo Fugazi, At the drive in, essas bandas mais ousadas como você disse, Sonic Youth... um pouco fora do padrão do hardcore cru. A gente tentou com alguns vocalistas no começo, mas não deu muito certo, nos ensaios não fluiu muito bem, então a gente decidiu manter a banda instrumental e foi compondo música, fazendo coisas, e pintou a ideia de no disco chamar alguns amigos pra cantar. E aí rolou o primeiro disco, que teve o Rodrigo, do Dead Fish, o Nekro, lá do Boom Boom Kid, o Farofa, do Garage Fuzz, o Mauricio Takara, o Chacal – um amigo nosso que fez o remix de uma música lá também –, e aí o pessoal gostou pra caramba. Era o pessoal do hardcore indo ver a gente, mas eles estavam lá pra ouvir um som diferente, então todo mundo gostou e a gente continuou compondo; aí teve o segundo disco, que a gente fez da mesma forma, chamando alguns amigos pra participar, fosse cantando, ou tocando piano, ou violoncelo, e a gente continua tocando e quer mais pra frente fazer um terceiro, um quarto disco, sempre nesse mesmo molde aí.

CDOROCK - O Ratos mudou bastante nesses anos, de integrantes, de som. Como avalia essas mudanças?

JUNINHO - Eu acho positivo, porque foi algo natural, do que eles estavam sentindo na época, sabe? Não estavam muito satisfeitos com o que tava rolando ali no meio do punk, e começaram a fazer um lance meio metal. Eles não seguiram nenhuma moda, não seguiram nenhum padrão, foram fazendo o que estava dando vontade, e isso deu supercerto, porque essa mistura, primeiro com o punk, depois com o metal, virou uma característica da banda, então você vai num show deles de muitos anos pra cá, e vê gente de moicano, jacko de couro, punk, e tem os metaleiros com camisa do Iron Maiden também. É uma junção interessante, essa galera que tem em comum o Ratos, o som agressivo. 


CDOROCK - O Inimigo também mudou, até de nome...

JUNINHO - Já no caso do O Inimigo, no começo a banda tinha um nome em inglês, Death From Above, e por dois motivos a gente decidiu mudar. Primeiro porque a gente queria um nome em português e cantar em português, e segundo porque já existia uma banda americana e outra até na Europa com o mesmo nome; e na época a banda tinha pouco tempo de vida, um ano ou pouco mais só, e foi positivo. Esse lance de cantar em português, a gente dá muito valor, você consegue se expressar muito bem na hora de compor, e a gente toca pra galera daqui, as pessoas entendem muito melhor em português, isso é óbvio, e fica também interessante divulgar o som pra fora porque as pessoas falam “Meu, os caras cantam na língua deles”, o que soa diferente e pode ser favorável pra gente. Então todas as mudanças eu acho positivas.


CDOROCK - Cantar em português não atrapalha a divulgação da banda lá fora?

JUNINHO - Se você coloca a sua letra em inglês, é óbvio que é mais fácil pro pessoal de fora entender, mas, na hora que você canta, pelo tipo de som, não fica muito compreensível, então se você faz no encarte do disco uma tradução de todas as letras pro inglês, já será uma coisa muito interessante, é mais do que suficiente, porque o cara canta na língua dele, na qual consegue se expressar bem, e traduziu ali pro resto do mundo entender, ou ao menos pra quem entende inglês. Então eu acho que a melhor forma de a gente se promover é dessa forma, sendo o mais natural possível, escrevendo em português, que é nossa língua, e traduzindo pras outras línguas.

CDOROCK - Em shows de punk, o público costuma ficar bastante "empolgado". Já tiveram problemas com isso?

JUNINHO - A empolgação do público é a coisa mais normal que tem. A música é agressiva, é rápida, é barulhenta, você não pode esperar que as pessoas assistam ao show sentadas. O que a gente acha mais legal são os shows onde não tem segurança, onde não tem grade, com acesso direto, o pessoal na nossa frente ali. Tanto é que todos os shows menores sempre são muito melhores, porque dá pra sentir mais a troca de energia com o público. Só que principalmente com o Ratos, que faz shows para mais gente, em casa maiores, sempre tem grade, segurança, então sempre tem problema. Sempre tem briga. Porque o cara vai no show, quer subir no palco pra pular, o segurança às vezes agarra ele, dá uma chave nele, machuca o cara. Às vezes a gente até para o show... Teve até um episódio em Recife, onde tinha mil e quinhentas pessoas, e na primeira música já quebraram a grade, e a gente viu um segurança com uma máquina de choque, dando choque na galera. Mas também tem shows em que os caras são sem noção, sobem no palco derrubando tudo, chutando, pisam no pedal, mas a gente mesmo fala: “Meu, você tá atrapalhando, presta atenção”. Às vezes o cara fica cuspindo, e a gente: “Ô, você gastou vinte reais pra vir aqui pra cuspir? Você é um idiota, [e, pro público] uma salva de palmas pra esse imbecil aqui”. A gente tem essa intimidade com o público pra segurar a onda nisso daí.

CDOROCK - Algumas bandas punks têm a imagem associada à violência, e até ao machismo. Caberia um integrante homossexual nas suas bandas, em especial no Ratos?

JUNINHO - Um integrante homossexual? Putz, sei lá, acho que sim, depende do comportamento da pessoa. Porque o cara pode ser a maior “biba doida” ou pode ser um cara mais na boa. Não sei... mas, no caso do Ratos, quem seria eu pra falar se a pessoa caberia ou não? Eu sou o novinho da banda, se tivessem de escolher sobre a pessoa entrar ou não, isso seria com os outros integrantes. Dentro do hardcore eu conheço várias pessoas que são homossexuais e eu acho isso uma coisa normal, mas depende também do tipo de ideia que o cara quer propagar dentro da banda. Por exemplo, dentro do O Inimigo a gente não tem nenhuma letra que fala sobre esse assunto, então não é só porque tem um homossexual na banda que tem que mudar alguma coisa. A gente trataria como uma coisa normal: um cara na banda, um gay, uma mina... Não teria nenhum problema se a gente continuasse fazendo tudo como sempre fez. Se fosse o caso de ter um gay na banda e por causa disso não poder tocar mais tal música, isso eu acho que não teria nada a ver.


CDOROCK - Você também curte andar de skate. Por que acha que o skate se mantém associado ao hardcore há tantos anos?

JUNINHO - Eu conheci alguns gringos, uns americanos que fizeram as trilhas sonoras de alguns filmes da Powell Peralta, do Stacy Peralta, os caras de Dogtown, e eles me contaram sobre os primeiros filmes de skate que foram feitos, quando os caras foram atrás de trilha sonora e quiseram colocar bastantes bandas de punk rock, como Agent Orange, e isso meio que seguiu. Acho que por ter muita agressividade no esporte, e isso ter a ver com uma música também agressiva. Claro que tem vários vídeos de skate que foram feitos já com os new wave, coisa assim, e depois mais pra frente com o hip hop, que já é uma parte que eu não acho tão legal, que não curto tanto, mais anos 1990, mas acho que quiseram conciliar a agressividade do esporte com a da música, o que acho que tem a ver. Andar de skate ouvindo um som é muito bom.



CDOROCK - Alguma comemoração em vista pros 30 anos do Ratos de Porão e os 10 anos do O Inimigo?

JUNINHO - O Ratos vai fazer um show dia 11/11/11, lá no hangar 110, vai ser um show de comemoração dos 30 anos, e a gente chamou os integrantes antigos do Ratos, desde ali do Betinho, Jabá, Spaguetti, essa galera antiga. Com O Inimigo a gente tem uma formação nova da banda, de dois anos pra cá, e a gente gravou um disco novo que vai sair ainda este ano. Vai ter um show de lançamento, mas sem data ainda marcada.



CDOROCK - Você se acha um cara bonito?

JUNINHO - Bonito? Não, não...

CDOROCK - Não percebe, quando você tá tocando, nenhum alvoroço, alguém que chegou em você...

JUNINHO - Alguém chegar em mim e falar “Você é bonito”?

CDOROCK - Ou pior...

JUNINHO - [Risos] Já me falaram que sou bonito, que sou feio, que sou normal... Depende da opinião de cada um, mas não é algo com que eu me preocupe, aparência e tal, gosto de fazer as coisas que faço, o mais natural possível, e acho que assim tá fluindo bem...


Fotos: juarez, quem?
Agradecimentos: Dynamite Pub

PARTE 2

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